Ucrânia

Em Donetsk, atletas pagam o preço da guerra na Ucrânia

O conflito entre separatistas pró-russos e forças ucranianas já deixou 6.000 vítimas em um ano, e o esporte acaba ficando em segundo plano

Da AFP
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Publicado em 02/04/2015 às 19:38
Foto: DIMITAR DILKOFF / AFP
O conflito entre separatistas pró-russos e forças ucranianas já deixou 6.000 vítimas em um ano, e o esporte acaba ficando em segundo plano - FOTO: Foto: DIMITAR DILKOFF / AFP
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Enquanto a "legião brasileira" do Shakhtar Donesk está "exilada" em Kiev por conta do conflito no leste da Ucrânia, muitos atletas de outras modalidades continuam na região e sofrem no dia a dia com os bombardeios.

Um deles é Igor Moisseev, faixa preta de caratê, que tinha uma sessão de treinos marcada com um mestre japonês na ilha de Okinawa, mas precisou permanecer no seu país para consertar sua academia de artes marciais, danificada por um tiro de morteiro.

O conflito entre separatistas pró-russos e forças ucranianas já deixou 6.000 vítimas em um ano, e o esporte acaba ficando em segundo plano.

Na aldeia de Igor, a dois quilômetros do aeroporto de Donetsk, nenhuma casa foi poupada pelos bombardeios.

Quando a mídia internacional mostrou várias imagens dos estragos na Dombass Arena, no estádio do milionário Shakhtar, clube de futebol que conta com 13 brasileiros no seu elenco, outros atletas tentam sobreviver em silêncio.

"Antes da guerra, meu clube era muito forte. Ganhamos vários prêmios em campeonatos mundiais e da Europa", relata o carateca.

O dojo de Igor está praticamente vazio, com apenas 10% dos alunos participando das aulas marciais.

Sensação de abandono

Com o conflito, a "República popular de Donestk" não é reconhecida pela comunidade internacional. A situação traz mais um dano colateral para os atletas, que são impedidos de disputar competições internacionais.

"Tentamos participar de competições locais para ocupar a criançada, impedir que façam besteira. Se os pais não têm dinheiro, treinamos os filhos deles de graça, mas continuamos pagando o aluguel", lamenta Igor.

O clube sobrevive com a ajuda de colegas da Rússia e da República Tcheca, mas já não existem mais vínculos com o restante da Ucrânia.

"Antes, a gente participava de competições de Lviv (no oeste do país, onde o Shakhtar disputou seus jogos da Liga dos Campeões), mas nenhum clube ucraniano nos ofereceu ajuda", ressaltou.

O jogador de basquete Oleg Golovin, de 34 anos, compartilha com Igor a sensação de ter sido abandonado por Kiev. No ano passado, Oleg treinava jogadores da região do Donbass para o campeonato europeu de 2015, inicialmente marcado para acontecer na Ucrânia.

"Quando essas tensões políticas obscuras começaram, não tomei partido nenhum. Continuei fazendo meu trabalho para promover o basquete para crianças, mas o simples fato de fazer meu trabalho foi considerado um crime na Ucrânia e, hoje, não tenho mais vínculos com Kiev", explica.

Problemas financeiros

Vassili Kobenok, de 28 anos, é piloto e sonha em participar de competições de automobilismo na Rússia, mas também esbarra em problemas administrativos. "A Federação Russa de Esportes Mecânicos não pode me acolher oficialmente", lamenta.

Depois de conquistar títulos na Ucrânia, Vassili tenta agora arrecadar fundos para comprar gasolina e participar de um rali por conta própria.

"Preparar um carro para uma competição ficou duas a três vezes mais caro. No ano passado, disputar um rali em Odessa (no sul da Ucrânia) custava cerca de 10.000 hryvnias (392 euros). Agora, custa de 20.000 a 22.000 hryvnias (entre 784 e 862 euros)", relata.

Apesar das dificuldades, o jovem piloto não quer deixar a região natal. Ele chegou a passar um tempo na Crimeia, península ucraniana anexada pela Rússia em março de 2014, mas não se sentiu à vontade longe de casa.

"Na Crimeia, me dei conta do quanto é difícil viver em outro Estado. Prefiro continuar em Donetsk, promover o esporte na minha cidade natal e transmitir às crianças minha paixão pelo automobilismo", enfatizou.

Irma Svetlitchnaia, de 25 anos, diretora de um centro de hipismo, também preferiu permanecer na região, para cuidar dos 26 cavalos.

"Todos os campos são minados. Temos graves problemas com a alimentação. Temos problemas não apenas para comprar a ração dos cavalos, mas também para levá-la até eles, por causa do preço da gasolina. Sobrevivemos graças a doações", conta a cavaleira, que desistiu de disputar competições.

"Não competimos mais para não correr risco de machucar os cavalos nas zonas de conflito. Nenhuma medalha justifica isso", completou.

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