Decisão

Cinco séculos após Inquisição, Espanha estende a mão aos judeus sefardistas

Em Israel, o ministério das Relações Exteriores comemorou a decisão

Da AFP
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Publicado em 11/06/2015 às 17:04
Foto: THIERRY CHARLIER / AFP
Em Israel, o ministério das Relações Exteriores comemorou a decisão - FOTO: Foto: THIERRY CHARLIER / AFP
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O Congresso espanhol adotou nesta quinta-feira (11) uma lei permitindo aos descendentes dos judeus expulsos da Espanha pelos reis católicos em 1492 de obter facilmente a cidadania, para reparar um "erro histórico", cinco séculos depois.

A lei, proposta pelo governo do conservador Mariano Rajoy, foi aprovada por unanimidade nesta quinta-feira e deverá entrar em vigor em outubro e gerar pelo menos 90 mil candidaturas de judeus sefarditas em todo o mundo, de acordo com uma estimativa oficial.

"Isso diz muito sobre o que fomos no passado (...) e o que queremos ser no futuro: uma Espanha aberta, diversa, tolerante", declarou o ministro da Justiça, Rafael Catala, aos deputados.

Em Israel, o ministério das Relações Exteriores comemorou, citando uma decisão que  reforçará "as boas relações entre a Espanha e Israel."

A legislação anterior, que data de 1924, permitia ao Estado conceder a nacionalidade aos descendentes de espanhóis, mas exigia que renunciassem à sua outra nacionalidade e residissem na Espanha.

A nova lei prevê que os candidatos têm a opção de ter dupla nacionalidade como é o caso dos espanhóis nascidos em ex-colônias do reino, em Portugal ou Andorra.

A lei sobre os sefarditas recebeu apoio de todos os partidos políticos espanhóis.

"Este é um dia histórico, importante, emocionante", disse à imprensa na entrada da Câmara dos Deputados de Madri o presidente da Federação Espanhola de Comunidades Judaicas Isaac Querub.

Residente em Lisboa, Kelly Benoudis Basilio, de 70 anos, uma professora de literatura aposentada, pretende pedir a cidadania, ainda que não planeje se mudar para a Espanha.

"É muito importante por razões emocionais", diz esta descendente de judeus expulsos da Espanha nascida no noroeste de Marrocos, e portuguesa pelo casamento.

 

Exílio ou morte

As estimativas variam, mas de acordo com os historiadores, pelo menos 200.000 judeus viviam na Espanha quando os Isabel e Fernando ordenaram esta comunidade a se converter ou deixar o país após anos de segregação crescente.

Os judeus da Espanha, que viveram em paz com muçulmanos e cristãos por séculos, tiveram que partir em algumas semanas e foram proibidos de regressar. Eles arriscavam a pena de morte se voltassem para a Espanha. Aqueles que se recusavam podiam ser queimados em praça pública.

Os exilados, muitas vezes saqueados nas estradas, fugiram para a Itália, África do Norte, Império Otomano, Bálcãs, mas também para Portugal. Eram os chamados judeus "sefarditas" - palavra que significa "Espanha" em hebraico - cuja cultura, então, se espalhou para o Mediterrâneo.

Outras comunidades judaicas já haviam sido expulsas da Inglaterra e da França, em particular.

A comunidade sefardita teria 3,5 milhões de pessoas. Algumas ainda utilizam uma língua românica de origem espanhola, o "ladino", transmitida de geração em geração.

Kelly Benoudis Basílio lembra de contos de sua infância em "haquetia", um dialeto que mistura espanhol, árabe e hebraico. "Sempre tivemos um forte apego à cultura espanhola", disse ela.

Os candidatos à cidadania devem dispor de um atestado de suas origens, emitido pela Federação Espanhola de Comunidades Judaicas, ou por um rabino do seu local de residência.

Eles precisaram passar por testes de cultura e língua espanholas e terão que provar que têm "uma ligação especial com o país", para onde terão que viajar a expensas próprias, para apresentar o seu pedido.

A lei irá expirar após três anos, mas poderá ser prorrogada por mais um ano, se necessário.

A novidade divide a comunidade judaica, que teme um "inferno burocrático" para aqueles que gostariam de obter a nacionalidade espanhola.

"Será uma Via Crúcis (...) Estou desapontado", disse à AFP Leon Amiras, que dirige na Espanha uma associação de pessoas que desejam emigrar para Israel, provenientes da América Latina.

O deputado do Partido Popular (PP, direita) Gabriel Elorriaga, relator da lei, disse por sua vez que é o resultado de uma busca complexo pelo equilíbrio entre a necessidade de verificar se os candidatos são legítimos e o desejo de simplificar o procedimento.

Em 1992, o rei Juan Carlos fez um primeiro passo importante, ao admitir a caminho da sinagoga de Madri as "injustiças" do passado.

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