Tragédia

Tragédia de menino sírio afoga o mundo na culpa

Desde 2012, a família Kurdi tentava fugir da guerra. Mortes denunciam omissão diante do drama de milhares de pessoas

Mariana Mesquita
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Mariana Mesquita
Publicado em 04/09/2015 às 0:07
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FOTO: NE10
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O sorriso de Aylan Kurdi transborda inocência e inunda o mundo de culpa. Ele é meu filho. Meu sobrinho. Meu vizinho. É uma promessa de futuro que não vingará jamais, porque afundou no mar. Aylan morreu na praia, junto com nossa humanidade e vergonha.

Numa das fotos que correram a internet ontem, ele e seu irmão, Galip, retratam a alegria despreocupada que só as crianças pequenas possuem, mesmo em meio à guerra. As curtas vidas dos meninos transcorreram em meio a sobressaltos e fugas. Desde 2012, a família tentava sair de Kobane, na Síria, somando-se ao êxodo de quatro milhões de compatriotas, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur). Na imagem, Galip também ri e traz estampada, na camiseta, a palavra “vida” (em inglês, “life”), que ironicamente tem sido negada a tantos que procuram abrigo em terras mais seguras.

Após serem retirados do mar, os rótulos descolaram: nacionalidade, procedência, religião. O que se vê é uma tragédia universal, um filme de sessão da tarde às avessas. Rehan, a mãe, morreu afogada junto aos filhos. Abdullah, o pai, morto em vida, só quer voltar à terra natal para enterrar seus entes queridos.

Quem impediu o final feliz? O roteiro triste e banal seguido pela família Kurdi vem sendo replicado por dezenas de milhares de anônimos. Através de pelo menos 15 rotas diferentes, sudaneses, eritreios, líbios, afegãos, sírios e outros seres humanos de diversas procedências vêm naufragando diariamente no Mar Mediterrâneo. Em 2015, já foram mais de 2.500 vítimas. Mas eles não desistem. Só neste ano, 300 mil refugiados chegaram à Europa; 24 mil deles eram crianças. Cada um carregando seus motivos para fugir da guerra. Todos precisando enfrentar cercas de arame farpado, bloqueios policiais e ataques xenófobos até chegar ao fim de suas jornadas.

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Em maior ou menor grau, Grécia, Macedônia, Sérvia, Hungria, Áustria, Itália, Reino Unido e Alemanha empurram uns para os outros a tomada de ações efetivas para o problema, se concentrando mais em impedir o acesso e menos em receber quem chega. Traficantes de pessoas fazem fortuna: chega-se a pagar US$ 10 mil pela vaga num bote inseguro como o que afundou com a família Kurdi. Até onde vai a exploração da miséria?

A imagem solitária de Aylan, com seu rostinho beijando a terra que não conseguiu alcançar com vida, calou o mundo porque nos lembra de nossas próprias crianças. Deitado na areia como se estivesse dormindo, sua fragilidade comove e nos fala de omissão. 

A culpa não é só da Europa, que em meio à crise financeira reluta em acolher centenas de milhares de pessoas. O drama diz respeito a todos os seres humanos. O Canadá havia negado visto para a família Kurdi. No Brasil, apesar de nosso território vasto e da existência de uma colônia síria, temos oficialmente cerca de 2.700 refugiados oriundos daquele país, a maioria vivendo em São Paulo. 

As mortes de Aylan e de Galip, que revoltaram a opinião pública, são símbolos que podem ajudar as organizações de direitos humanos a melhorar esse quadro. Ou, simplesmente, vão cair no esquecimento, se somando aos números da catástrofe que segue em curso.

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