TRIBUNAL

Pela primeira vez pessoa recebe menção 'gênero neutro' no registro civil na França

"Não se trata de reconhecer a existência de um 'terceiro gênero', mas de reconhecer a impossibilidade de atribuir um determinado gênero à pessoa", explicou a sentença

Da AFP
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Publicado em 14/10/2015 às 12:26
Foto: PATRICK KOVARIK / AFP
"Não se trata de reconhecer a existência de um 'terceiro gênero', mas de reconhecer a impossibilidade de atribuir um determinado gênero à pessoa", explicou a sentença - FOTO: Foto: PATRICK KOVARIK / AFP
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Nem homem e nem mulher, mas sim "sexo neutro": pela primeira vez na França uma pessoa sem aparelho genital completo conseguiu que a justiça a reconhecesse isso em seu estado civil, ainda que a decisão tenha sofrido apelação.

O tribunal de primeira instância de Tours (centro da França) ordenou ao serviço de estado civil da prefeitura da cidade a alteração da certidão de nascimento desta pessoa intersexual - registrada no nascimento como sendo do gênero masculino - e colocação da menção "gênero neutro", numa sentença datada de 20 de agosto de 2015, informou o procurador adjunto Joel Patard.

Esta é a primeira vez que uma jurisdição francesa autoriza a uma pessoa a sair do sistema binário masculino/feminino.

"O sexo que o foi atribuído no nascimento aparece como pura ficção (...) imposta durante toda sua existência", escreveu o juiz em sua sentença, à qual o jornal 20 Minutes obteve acesso. "Não se trata de reconhecer a existência de um 'terceiro gênero', mas de reconhecer a impossibilidade de atribuir um determinado gênero à pessoa", explicou o magistrado em sua decisão. 

Nascida, segundo o médico responsável, com uma "vagina rudimentar", um "micropênis", mas sem testículos, a pessoa sofre por ter sido enquadrada no sexo masculino desde o nascimento, segundo o jornal.

"Na adolescência, entendi que não era um rapaz. Não tinha barba, meus músculos não ficavam mais fortes", contou a pessoa, hoje com 64 anos, que pediu anonimato. 

Temendo que "esta consulta leve a um debate social sobre o reconhecimento de um terceiro gênero", a procuradoria de Tours recorreu do julgamento.

Segundo o jornal, o caso "já é um avanço para a causa das pessoas intersexuais que lutam para que sua existência seja reconhecida na sociedade". 

Mutilações

"Apelamos da decisão não por um espírito desenfreado de oposição (...), mas apenas para conhecer a posição e outro nível judicial, e também porque, por mais compreensível que seja, a solicitação não deixa de contradizer o corpo legislativo que regulamentação vigente", explicou o promotor.

"Tão pouco temos o papel de legislador para criar uma lei que não existe, ou para modificar aspectos existente".

O procurador admitiu, após reunião com o requerente, que se trata de uma pessoa que sofre. "A pessoa vive uma situação minoritária, mas que existe".

"Eu busquei sentenças anteriores sobre o tema, mas encontrei poucas, para não dizer nenhuma" em um contexto europeu, declarou.

O indivíduo relatou ao 20 Minutes que os médicos  prescreveram testosterona quando ele tinha 35 anos. "Minha aparecia se masculinizou, foi um choque. Eu não me reconhecia. Isso me fez tomar consciência que eu não era nem um homem e nem uma mulher", relata, antes de denunciar as "mutilações" infligidas aos bebês intersexuais, segundo ele.

"É escolhido arbitrariamente um sexo masculino ou feminino sem saber como irão se desenvolver as crianças (...). Eu sou a prova de que se pode viver com ambos os sexos".

As pessoas intersexuadas apresentam anomalias no sistema reprodutor, cuja ocorrência é pouco avaliada, mas que não necessariamente prejudica sua orientação sexual.

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