Os argentinos vão às urnas neste domingo (25) para eleger o sucessor da presidenta Cristina Kirchner, que conclui o segundo e último mandato em dezembro. Cerca de 32 milhões de eleitores estão aptos a escolher o novo ocupante do cargo que, nos últimos 12 anos, foi ocupado por um Kirchner – primeiro, Néstor (2003-2007), depois por sua mulher, Cristina, reeleita em 2011, um ano após a morte do marido.
O processo para escolher os postulantes à sucessão de Cristina começou com as prévias nacionais no dia 9 de agosto, quando os eleitores definiram os candidatos de cada aliança partidária à corrida presidencial. Caso seja necessário, o segundo turno será disputado no dia 22 de novembro. Na Argentina, o voto é obrigatório.
O favorito é o governista Daniel Scioli, de 58 anos, da Frente para a Vitória (FPV), que aparece nas pesquisas com 38% das intenções de voto. Ele foi vice-presidente de Néstor Kirchner, antes de ser eleito governador da província de Buenos Aires, a maior e mais rica da Argentina, onde se concentra um terço do eleitorado nacional.
Para assegurar a vitória no primeiro turno, Scioli precisa de 45% dos votos ou, no mínimo, 40% com uma diferença de 10 pontos percentuais em relação ao segundo colocado. As pesquisas de opinião indicam que, se ele ganhar, vai ser por uma margem muito estreita.
Para o coordenador do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Luis Fernando Ayerbe, Scioli não é o candidato que Cristina gostaria de ter como sucessor porque ele não representa totalmente o kirchnerismo, caracterizado pela política mais popular, desenvolvimentista e de combate à pobreza.
“É uma mútua conveniência. Para ele, porque precisa do apoio de Cristina e, para ela, porque Scioli é o único que se qualificou. Ele diz que vai dar continuidade aos programas e à política dos Kirchner, mas de fato tem uma postura mais pragmática e mais moderada com relação ao mercado”, disse o historiador argentino.
Em segundo lugar na corrida eleitoral, está o prefeito da cidade de Buenos Aires, Mauricio Macri, de 56 anos, líder do Proposta Republicana (PRO), que integra a coligação Cambiemos - que significa mudança em português. Ele é o favorito da oposição.
O professor do departamento de história da Universidade de Brasília (UnB) Carlos Eduardo Vidigal destaca que Macri está associado às políticas liberais. “Com ele, viriam mudanças mais substantivas que iriam reorientar o jogo político interno, com a desregulamentação da economia, por exemplo. Macri entendeu, porém, que uma parte da política social precisa ser mantida para ter apoio.”
Em terceiro nas pesquisas está o deputado nacional pela Frente Renovadora Sergio Massa, de 44 anos, que concorre com a coligação Unidos por uma Nova Alternativa. “Massa foi chefe de gabinete da Cristina, é um peronista que rompeu com a Frente para a Vitória. Ele é dissidente do grupo da Cristina”, disse Ayerbe.
No domingo serão eleitos também 130 deputados nacionais, 24 senadores e 43 parlamentares que representarão o país no Mercosul.
Governo kirchnerista
Para o coordenador do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da Unesp, o bom nível de popularidade de Cristina ao final do segundo mandato é um fato inédito na mudança de governo na Argentina. “É um fato novo, independentemente de quem é a favor ou contra [a presidenta], com mais de 50% de aprovação.”
Ayerbe lembra que os Kirchner receberam o país em uma situação muito ruim, após a grave crise do início dos anos 2000, que resultou no confisco das contas bancárias, na desvalorização do peso e na moratória da dívida externa.
“Os Kirchner chegaram ao poder em 2003 e a situação econômica de fato melhorou com programas populares, de combate à pobreza e à desigualdade. No último mandato de Cristina, já começa a haver sinais de crise. Mas há uma ideia na sociedade de que o país melhorou, o que representa o apoio que Cristina tem dos setores mais populares”, afirmou Ayerbe.
Segundo ele, os desafios do próximo governante argentino são a inflação alta, a renegociação da dívida com os fundos especulativos, os chamados fundos abutres, e o peso valorizado, cujo valor tem sido mantido artificialmente alto pelo governo.
Para o professor do departamento de história da UnB, Carlos Eduardo Vidigal, Néstor e Cristina cumpriram nos três mandatos a tarefa de retirar a Argentina da crise econômica de 2001 e 2002, “que foi um verdadeiro colapso econômico”. “A Cristina elevou os gastos públicos para além da arrecadação, o que gera uma série de problemas, sendo o mais grave a inflação. No ano passado, a inflação oficial foi 25%, mas as estimativas falam em 38%. Independentemente disso, ela foi reeleita, o que significa que as políticas sociais são aprovadas pela população”, disse Vidigal.
“Ela deixa uma herança relativamente positiva do ponto de vista das políticas públicas, mas, na área econômica, se o governo tivesse sido menos intervencionista, talvez tivesse alcançado mais dinamismo. O agronegócio e o empresariado têm muitas reclamações”, destacou o professor.