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Atingidas por atentados jihadistas que mataram centenas de seus cidadãos, França e Rússia anunciaram o início de uma cooperação inédita em 70 anos contra um inimigo comum - o grupo Estado Islâmico -, voltando a bombardear a cidade de Raqa, seu reduto na Síria.
Paralelamente, investigadores franceses continuam tentando estabelecer com precisão a forma como se desenvolveram os atentados que deixaram ao menos 129 mortos e 352 feridos na noite de sexta-feira, em Paris, e estabelecer o número exato de pessoas que participaram deles.
Os russos admitiram pela primeira vez que o avião que caiu há duas semanas no Sinai egípcio, matando seus 224 ocupantes, foi alvo de um atentado a bomba. Esse ataque e os atentados de Paris foram reivindicados pelo grupo EI.
Na madrugada desta terça-feira (17), Raqa foi bombardeada pela Força Aérea francesa pela segunda vez em 24 horas. Pouco depois, a Rússia lançou bombardeios com mísseis de cruzeiro e bombardeiros estratégicos.
Os presidentes François Hollande e Vladimir Putin conversaram em seguida por telefone sobre a "coordenação" de seus esforços, informou a Presidência francesa. O Kremlin destacou que os dois são favoráveis a "uma coordenação mais estreita" entre seus serviços secretos sobre a Síria.
Aliados
Até o momento, no entanto, Hollande e Putin divergem sobre o futuro do presidente sírio, Bashar al-Assad. Enquanto Al-Assad conta com o apoio russo, a França quer que ele deixe o poder.
Isso não impede que, desde o fim de setembro, lancem bombardeios na Síria - a França, exclusivamente contra o EI, e a Rússia, principalmente com outros grupos que combatem Al-Assad.
Em um discurso no Parlamento, Hollande defendeu na segunda-feira "unir" a ação das forças francesas, russas e americanas contra o EI. Com esse objetivo, o presidente Hollande se reunirá com o colega americano, Barack Obama, em Washington, em 24 de novembro, e com Putin, em Moscou, no dia 26.
A aproximação franco-suíça começou a ser delineada com a ordem dada por Putin à sua Força naval para que "coopere com os aliados" franceses. O porta-aviões "Charles de Gaulle" zarpará nesta quinta-feira rumo ao Mediterrâneo oriental.
"Um destacamento naval francês transportado por um porta-aviões chegará em breve ao seu setor. É preciso estabelecer um contato direto com os franceses e trabalhar com eles como aliados", declarou Putin durante reunião do Estado-Maior do Exército russo, dedicada às operações militares na Síria.
O Kremlin também evocou o acordo de princípio de Hollande e Putin para uma "coordenação mais estreita" no campo militar, mas, sobretudo, entre agências de Inteligência.
Segundo o historiador militar russo Mikhail Miagkov, "a última vez em que França e Rússia lutaram lado a lado foi certamente durante a Segunda Guerra Mundial".
"É preciso lembrar da (...) Segunda Guerra Mundial, quando França e Rússia lutaram contra um inimigo comum que ameaçava destruir toda a humanidade. Isto se tornou mais atual do que nunca quando se trata de combater um inimigo como o EI", explicou o historiador, referindo-se à guerra comum contra o nazismo.
A Síria e a luta contra o Estado Islâmico também foi o eixo da reunião desta terça-feira entre Hollande e o secretário de Estado americano, John Kerry.
Ele afirmou que a Síria talvez esteja a algumas semanas de uma "grande transição" política, após o compromisso internacional, alcançado em Viena, de uma reunião entre o regime e a oposição sírios em 1º de janeiro do ano que vem.
Em sua ofensiva diplomática, a França pediu, ainda, a ajuda da União Europeia, que respondeu positivamente de forma unânime.
Cúmplices na Bélgica e na França?
As operações de varredura também prosseguiram na França. Nas últimas horas, houve "128" no âmbito do estado de emergência, decretado após os atentados, informou o ministro do Interior, Bernard Cazeneuve. Na noite passada foram 168.
A investigação sobre os ataques na noite de sexta-feira, na casa de shows Bataclan, nos arredores do Stade de France e em vários bares e restaurantes da capital, já resultou na identificação de cinco dos sete suicidas.
As buscas pelo possível oitavo autor dos atentados, Salah Abdeslam, continua, assim como a identificação dos restos mortais de outros dois suicidas.
Ainda "não sabemos se há cúmplices" desse massacre na França, ou na Bélgica, disse hoje o premiê francês, Manuel Valls, admitindo que as autoridades ainda não estão certas "do número de pessoas envolvidas".
Os atentados foram "decididos e planejados na Síria, preparados e organizados na Bélgica e praticados" na França, "com cúmplices franceses", afirmou o presidente Hollande.
Os suicidas identificados até agora são franceses, mas o quinto tinha passaporte sírio, "cuja autenticidade ainda é preciso verificar". Em nome de Ahmad Al Mohammad, o documento foi registrado na Grécia em posse de um imigrante, cujas impressões digitais batem com as do suicida, segundo autoridades francesas.
A Polícia também tem na mira um jihadista belga que moraria na Síria - identificado como Abdelhamid Abaaoud - e não descarta que ele tenha sido o "inspirador" dos atentados. Abaaoud, de 28 anos e condenado à revelia na Bélgica, apareceu várias vezes em mensagens de propaganda do EI. Em uma delas, aparece arrastando corpos amarrados à caçamba de uma caminhonete.
Por fim, fontes ligadas à investigação indicaram que o texto de reivindicação dos atentados em nome do Estado Islâmico foi lido em uma gravação difundida na Internet pelo jihadista francês Fabien Clain.
Na noite de segunda-feira, a Bélgica aumentou para 3 o nível de alerta terrorista no país, o que implica uma ameaça possível e provável de atentados. Como consequência, foram cancelados os jogos amistosos que deveriam ser disputados nesta terça-feira entre as seleções da Espanha e da Bélgica, em Bruxelas, e entre Alemanha e Holanda, em Hanover.
A ameaça à segurança levou Hollande a pedir ao Parlamento a extensão do estado de emergência para três meses e a anunciar a criação de 5.000 vagas adicionais na Polícia e nas forças da ordem, 2.500 na Justiça, e 1.000 na Alfândega. O presidente também prometeu uma reforma constitucional para "poder atuar contra o terrorismo de guerra" e gerenciar a crise atual.
Entre seus projetos, está a retirada da nacionalidade francesa das pessoas nascidas no país, em caso de terrorismo, e a imposição de um "visto de retorno" aos seus cidadãos "potencialmente envolvidos" nas redes jihadistas que voltarem da Síria e do Iraque.
O governo francês sugere ainda instalar detectores de metais em todas as estações ferroviárias francesas, semelhantes aos que são usados nos aeroportos.
Segundo Valls, essa bateria de medidas impedirá a França de respeitar os critérios fiscais exigidos por Bruxelas, os quais limitam o déficit a um máximo de 3% do PIB.