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O chavismo celebrará nesta terça-feira (15) sua última sessão ordinária antes de ceder o controle do Parlamento venezuelano à oposição, em um dia em que poderão ser tomadas medidas de blindagem diante da legislatura que começará em 5 de janeiro.
O presidente da Assembleia, Diosdado Cabello, antecipou que o governo cumprirá sua agenda legislativa antes do fim do ano, inclusive com a nomeação de uma dezena de magistrados do Supremo Tribunal de Justiça (TSJ).
Esta decisão é chave diante de um futuro confronto entre governo e Parlamento - no qual a oposição de centro-direita terá dois terços dos deputados -, o que levará certas disputas à máxima corte venezuelana.
Após o fim do período legislativo regular, normalmente se ativa uma "comissão delegada" que funciona até o início da nova legislatura. Uma de suas faculdades é convocar sessões extraordinárias.
Integrada por Cabello - número dois do chavismo - e por dirigentes da câmara, esta comissão, no entanto, "não tem faculdades legislativas, nem pode fazer nomeações", explicou à AFP o constitucionalista Gerardo Fernández, professor da Universidade Central.
Para nomear os juízes do TSJ, por exemplo, seria preciso convocar sessões extra, informou Fernández, que considerou insuficiente o tempo para cumprir os requisitos da lei.
Por isso, se estas nomeações forem feitas, "poderiam ser revogadas pela nova Assembleia", advertiu.
Com o objetivo de analisar os cenários possíveis com o fim da atual legislatura, a Mesa da Unidade Democrática (MUD) se reunia nesta segunda-feira a portas fechadas, informou à AFP o secretário-executivo da coalizão opositora, Jesús Torrealba.
"Não há dúvidas de que Diosdado Cabello buscará que os magistrados sejam nomeados com a maioria que têm e encher o tribunal com juízes ligados ao partido governista", declarou à AFP Juan Manuel Trak, cientista do Centro de Estudos da Universidade Católica Andrés Bello.
Conflito de poderes no horizonte
O período legislativo chega ao fim em um clima tenso, após a derrota contundente do chavismo nas eleições de 6 de dezembro, nas quais a oposição arrebatou o controle da Assembleia pela primeira vez em 16 anos de governo.
Após admitir o revés, o presidente Nicolás Maduro endureceu o discurso, destacando que enfrenta uma "contrarrevolução" orquestrada pelos Estados Unidos, que buscam impor uma agenda neoliberal e com a qual não haverá "coabitação".
O presidente socialista assegura que a MUD ganhou as eleições alavancada pela "guerra econômica" que, segundo ele, foi desatada junto com empresários para gerar o desabastecimento de produtos básicos e o descontentamento popular.
Mas a oposição sustenta que sua vitória revela uma exigência de "mudança" por parte dos venezuelanos diante de um "modelo fracassado".
"Ou o governo muda ou teremos que mudar o governo", afirmou no domingo o governador e ex-candidato presidencial Henrique Capriles, agitando a arma que a maioria parlamentar tem em mãos: convocar um referendo revogatório do mandato de Maduro a partir de abril de 2016 ou encurtar seu mandato, mediante uma emenda constitucional.
A MUD se propôs como prioridades uma anistia para 75 políticos presos e reformas econômicas que ponham fim, entre outros, ao ferrenho controle de preços, ao qual culpa pelo desabastecimento de dois terços dos produtos básicos.
Maduro advertiu que não permitirá o desmonte das conquistas sociais e das leis que "protegem o povo"; e no fim de semana, diante do alto comando militar, pediu às Forças Armadas que se preparem para uma "guerra não convencional", reiterando mais uma vez que não entregará a revolução.
Ao mesmo tempo, pediu à situação uma "profunda reflexão", reconhecendo que a burocracia e a corrupção permearam o projeto fundado por Hugo Chávez (1999-2013).
Na Venezuela, o chefe de Estado tem a prerrogativa de dissolver a Assembleia apenas se esta destituir consecutivamente três vice-presidentes, afirmou o constitucionalista.
"Certamente, a partir de 5 de janeiro, vai ocorrer um conflito de poderes, mas é difícil determinar se isto levará a um bloqueio institucional de parte dos três poderes do Estado", afirmou Trak.