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A França fez cair os últimos tabus sobre sua colaboração com a Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial ao decidir pela abertura dos arquivos do regime de Vichy.
"Acabamos com o medo do escândalo. Assumimos os fatos. Podemos entender melhor" o que aconteceu, aplaudiu o presidente da Associação dos Arquivos Nacionais, Gilles Morin, depois que o governo francês decidiu abrir quase todos os arquivos da polícia e da justiça entre junho de 1940 e julho de 1944.
Durante esse período, a Alemanha nazista ocupou o norte da França, e o marechal Philippe Pétain liderou a zona "livre" a partir de Vichy, uma cidade no centro do país, onde estabeleceu uma política de colaboração com o ocupante, o que levou as autoridades locais a participar nos ataques maciços contra a população judaica.
Essa política causou entre 10.000 e 15.000 mortes e 80.000 deportações de civis, dos quais menos da metade retornou com vida do outro lado do Reno.
Mas ao sair da guerra, valendo-se das ações da resistência liderada pelo general De Gaulle, a França se impôs do lado vencedor, conseguiu um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, participou da divisão da Alemanha...
E o regime de Vichy foi descrito como "um parêntesis", um regime desconectado da República Francesa.
Foi preciso esperar até 1995 para que o governo francês liderado por Jacques Chirac reconhecesse a responsabilidade do Estado na deportação de 76.000 judeus para campos de extermínio nazistas.
"Este tempo passou. As gerações envolvidas na Segunda Guerra Mundial já se foram. Não é mais uma questão política quente, podemos reabrir sem risco", afirma a historiadora Annette Wieviorka.
Foi o atual presidente, Francois Hollande, nascido depois da guerra, que anunciou a abertura dos arquivos em 8 de maio, durante o 70º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial, para combater "as pragas que nos ameaçam: o revisionismo, a alteração da memória, o esquecimento".
Um americano rompeu o mito
Até então era preciso pedir uma autorização, um processo que poderia levar entre 15 dias e seis meses, para ter acesso aos arquivos em questão, explica Wieviorka.
A partir de agora, apenas alguns documentos permanecerão inacessíveis, "aparentemente relacionados com a vida privada", acrescenta.
"No entanto, não devemos falar sobre uma França com arquivos fechados", afirma Denis Peschanski, membro do Centro Francês de Pesquisa Científica (CNRS). "Graças a esses arquivos, foram escritos dezenas de livros sobre a França dos anos sombrios", ressalta.
Não foi o caso da "França de Vichy", um dos livros mais emblemáticos sobre o regime Pétain, que o americano Robert Paxton escreveu graças aos arquivos alemães roubados pelo exército dos Estados Unidos.
Sua publicação, em 1973, revelou a cooperação do Estado francês com a Alemanha nazista, o oposto do mito de um país unido na resistência contra o ocupante.
Os historiadores acreditam que haverá poucas novas revelações sobre o regime de Vichy, dada as numerosas pesquisas publicadas sobre o assunto.
Além do Estado francês, estima-se que entre 150.000 e 200.000 franceses foram "colaboradores" e centenas de milhares de pessoas se "adaptaram" à situação, lembra Denis Peschanski.
Apesar deste avanço, a França segue sem anunciar a abertura dos arquivos das guerras de Indochina e Argélia, que também foram amplamente estudados.
"A desclassificação sistemática é a norma nos Estados Unidos e Reino Unido. Nos países do leste europeu, os arquivos foram abertos rapidamente após a queda do muro [de Berlim]", diz Morin. "Mas na França temos medo da nossa sombra."