Território

Guantánamo, tão próximo dos EUA, mas tão longe de Cuba

A poucos dias da visita de Barack Obama à ilha, a primeira de um presidente americano a Havana em 88 anos, Guantánamo é uma testemunha distante e incômoda deste gesto histórico

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Publicado em 17/03/2016 às 18:25
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A poucos dias da visita de Barack Obama à ilha, a primeira de um presidente americano a Havana em 88 anos, Guantánamo é uma testemunha distante e incômoda deste gesto histórico - FOTO: Foto: AFP
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Jorge Frómeta dorme em Cuba, mas costuma acordar com o hino dos Estados Unidos. Se não o ouvisse, talvez nem se lembrasse de que está em Guantánamo, o território em disputa com "os americanos", onde os ventos da reconciliação sopram com menos força.

A poucos dias da visita de Barack Obama à ilha, a primeira de um presidente americano a Havana em 88 anos, Guantánamo é uma testemunha distante e incômoda deste gesto histórico.

Há um século, os Estados Unidos exercem soberania em uma área de 117 km2 - mar, em sua maioria - desta província cubana de zonas áridas, a 970 km de Havana e onde o sol é forte o ano inteiro.

Neste local, está hasteada a bandeira americana, mas, sobretudo, é onde opera a base militar que se transformou na temida prisão de Guantánamo.

O aposentado Frómeta, de 68 anos, vive em Caimenera, um das duas cidadezinhas "fronteiriças" com a base - a outra é Boquerón. Nessa área, os cubanos circulam com uma permissão especial e devem esperar a aprovação das autoridades para receber visitas "externas".

"Em Caimanera, você vive tranquilo. Essa base naval não nos preocupa. Tem hora que, durante muito tempo, você nem lembra que existe. Outras vezes, você escuta o hino dos Estados Unidos de manhã e, então, você se dá conta de que está a 90 milímetros da base", disse à AFP.

Cuba fica a cerca de 170 km da costa americana, mas Frómeta e os demais habitantes de Caimanera (11.000 no total) estão a apenas dois quilômetros. O governo comunista declarou os dois povoados como "zona de alta sensibilidade para a defesa" no contexto da Guerra Fria.

Ex-inspetor de segurança marítima, Frómeta nasceu em Guantánamo, mas se mudou para Caimanera em 1994. Depois de tantos anos de vizinhança forçada - ressalta ele -, poucos reparam na proximidade com "os americanos".

"As pessoas entram e saem e, às vezes, nem olham para lá (para a base). É que já está acostumado", explicou à AFP, enquanto passeia por sua cidade de origem.

Cuba exige a devolução desse pedaço de território ocupado pela base e que foi cedido "em arrendamento" aos Estados Unidos, depois da guerra hispano-americana. Nada faz pensar, porém, que seu outrora inimigo da Guerra Fria tenha intenções de devolvê-lo.

Embora tenha pressionado o Congresso americano, sem sucesso, pelo fim do embargo sobre a ilha e pelo fechamento do presídio de Guantánamo, Obama nunca teve em seus planos abrir mão de Guantánamo. Permanecem na base 91 detentos suspeitos de envolvimento nos atentados do 11 de Setembro.

Os "guantanameros" descrevem a área americana como se fosse um membro amputado. Diferentemente de outras cidades, não há bandeiras, nem outros símbolos americanos. Fazem apenas dois anos que os moradores locais passaram a poder ir até o mirante La Gobernadora.

De lá, é possível avistar os hangares do aeroporto militar, à esquerda da entrada da baía e, no extremo oposto, algumas instalações cercadas de árvores.

"O que queremos é que fechem a prisão e nos devolvam a base. Vamos confiar na boa vontade de Obama", comentou María, que trabalha em uma empresa elétrica local.

Últimos aposentados cubanos da base

Durante quase quatro décadas, o cubano Rodi Rodríguez, de 84 anos, exerceu várias funções na base americana. Hoje, ele faz parte do grupo de 50 aposentados desse território. Os dois últimos se aposentaram em 2013.

Todo mês, este homem chega até o último ponto do lado cubano na companhia de um oficial, de um intérprete (ainda que ele fale inglês) e de um pequeno grupo de militares. A alguns passos da linha fronteiriça está uma funcionária americana, que aguarda "o convite" verbal para passar para o território cubano.

Lá, ela lhe entrega um envelope com US$ 34 mil para serem depositados no banco de Guantánamo. "Me entregam o envelope em um pequeno escritório adornado com bandeiras dos dois países, e saio de lá com o envelope até o banco (cubano), em Guantánamo. O processo é fotografado", contou Rodríguez à AFP.

O ex-funcionário lembra que sempre teve uma boa relação com seus chefes americanos, sobretudo, com os militares. "Nunca ofendi ninguém. Me dou bem até com os contrarrevolucionários" cubanos que trabalhavam na base e que, depois, migraram para os Estados Unidos, lembra ele. Rodríguez se declara, porém, um defensor da causa cubana pela devolução de Guantánamo.

"Como os americanos se sentiriam se nós puséssemos uma base naval na Baía de Houston? É assim que nos sentimos", alegou Rodríguez, que se aposentou em 1986 e recebe uma pensão de mais de US$ 1 mil - 100 vezes mais do que a média em Cuba.

Este senhor de voz grave, que já não fuma, nem bebe, lembra-se de que, com frequência, entrava e saía da base americana e que, muitas vezes, era chamado de "gusano" ("verme", termo usado para se referir aos contrarrevolucionários) pelos comunistas de Guantánamo.

Agora, sem a tensão de outros tempos, quando se ouviam sirenes advertindo para o risco de uma invasão americana que nunca se concretizou, Rodríguez espera sem grandes entusiasmos a visita de Obama a distante Havana. "Da visita espero muito pouco, enquanto o Congresso não aprovar o que ele propõe. Os presos da base naval ainda estão lá. Não conseguiu fechar a prisão", encerrou.

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