Uma equipe internacional de cientistas conseguiu manter vivos embriões humanos cultivados em laboratório por 13 dias, um recorde que promete avanços na reprodução assistida, nas terapias com células-tronco e no conhecimento básico de como os seres humanos se formam.
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Os resultados da pesquisa foram publicados nas revistas científicas Nature e Nature Cell Biology nesta quarta-feira.
"Surpreendentemente, ao menos até os primeiros 12 dias, o desenvolvimento ocorreu normalmente na ausência completa de entrada materna", disse em um comunicado Ali Brivanlou, professor da Universidade Rockefeller, em Nova York, e um dos principais autores do estudo.
Além de abrirem uma porta para os primeiros passos na criação de indivíduos, os resultados podem ajudar a explicar os abortos precoces e o motivo da fertilização in vitro ter uma taxa tão alta de insucesso.
Apesar dos resultados terem sido aclamados pela comunidade científica, eles colocam a ciência em rota de colisão com a legislação de muitos países e levanta questões éticas, alertaram os especialistas.
O limite legal de 14 dias para o cultivo de embriões humanos in vitro nunca tinha sido desafiado, já que, até agora, acreditava-se que era impossível que eles pudessem resistir e amadurecer fora do útero por tanto tempo.
Por causa da norma, vigente em muitos países, os cientistas destruíram os embriões no 13º dia de cultivo.
Os cientistas sabem muito pouco sobre como o pequeno pacote oco de células chamado de blastocisto - que emerge de um óvulo fertilizado - se prende ao útero, permitindo que um embrião comece a tomar forma.
"Esta parte do desenvolvimento humano" - chamada implantação - "era uma caixa-preta", disse Brivanlou.
"Conseguimos criar um sistema que recapitula adequadamente o que acontece durante a implantação humana", disse a cientista da Rockefeller e autora principal do estudo, Alessia Deglincerti.
Como esperado, o blastocisto cresceu e começou a se dividir em diferentes tipos de células que eventualmente dão origem a um feto e sua placenta.
Diferentemente de experiências anteriores, nas que o crescimento raramente ultrapassava sete dias, os embriões mostraram uma inesperada capacidade de se auto-organizarem fora do útero.
"Até agora, tinha sido impossível estudar a implantação de embriões humanos", disse Magdalena Zernicka-Goetz, professora na Universidade de Cambridge e responsável pela parte do estudo realizada no Reino Unido.
Problemas éticos
"Esta nova técnica nos dá uma oportunidade única de compreender melhor nosso próprio desenvolvimento durante esses estágios cruciais (os primeiros dias de vida) e o que acontece, por exemplo, durante os abortos espontâneos", disse Zernicka-Goetz.
O avanço também deve estimular a realização de pesquisas sobre o uso de células-tronco embriônicas para tratar certas doenças.
"Com esse conhecimento das células humanas, podemos controlar a sua capacidade de se tornarem tipos de células úteis para exames toxicológicos ou transplantes", disse Gist Croft, também da Universidade Rockefeller.
Cientistas que não participaram da pesquisa saudaram os resultados como um marco importante.
"O estudo demonstrou claramente a incrível capacidade intrínseca do embrião de se auto-organizar quando ele começa a criar o plano do corpo - mesmo na ausência de uma mãe", afirmou Harry Moore, professor de biologia reprodutiva da Universidade de Sheffield, na Inglaterra.
Allan Pacey, também de Sheffield, disse que os estudos poderiam "revolucionar a nossa compreensão sobre os eventos iniciais do desenvolvimento embrionário humano".
Assim como outros especialistas que comentaram os resultados, Pacey disse que as preocupações éticas são provavelmente exageradas.
"Ele não vai abrir a porta para casais poderem cultivar bebês em laboratório. Isso não cria um cenário do Admirável Mundo Novo", disse.
Mas a comunidade científica e os reguladores ainda terão que decidir se suspender ou estender a regra dos 14 dias, que é lei em uma dúzia de países, e uma prática aceita em outros cinco, incluindo os Estados Unidos e a China.
A maioria dos cientistas defendem uma flexibilização dos regulamentos.
"Tendo em conta os benefícios potenciais de novas pesquisas sobre infertilidade, como a melhora dos métodos de reprodução assistida, pode ser que haja uma conjetura no futuro para reconsiderar isso", disse Daniel Brison, chefe do departamento de medicina reprodutiva na Universidade de Manchester.
Para outros especialistas, a questão não é tão simples.
"Se não usarmos a regra de 14 dias, que limite usaremos?" perguntou Henry Greely, diretor do Centro para Lei e Biociências da Escola de Medicina de Stanford, na Califórnia.
"Doze semanas, como em muitas leis europeias sobre o aborto? A viabilidade, de cerca de 23 semanas, como na lei do aborto americana?"
"O desenvolvimento humano é um processo contínuo", acrescentou. "Mas, no fim das contas é necessário estabelecer limites".