Meio século depois da sangrenta Revolução Cultural na China, o país comunista segue firme no "caminho capitalista", embora o legado de Mao Tsé-Tung resista a desaparecer após sua morte, como a múmia do líder em seu mausoléu de Pequim.
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Renunciando a enfrentar sua própria história, o Partido Comunista da China (PCC) não quer reabrir as feridas. Por isso as autoridades não previram nenhuma cerimônia para celebrar o princípio da revolução, cujo início costuma ser datado em 16 de maio de 1966.
Em três anos, de 1966 a 1969, Mao, isolado do poder após o fracasso do "Grande Salto Adiante" (1958-1962, 45 milhões de mortos), conseguiu novamente se impor mandando os "guardas vermelhos" - a juventude escolarizada e fanática - atacar o partido. Mais tarde, ordenará que o exército, dirigido pelo marechal Lin Biao, reprima os mesmos "guardas vermelhos", cujo movimento havia fugido de seu controle.
De funcionários de alto escalão do partido a escritores e professores, milhões de pessoas foram perseguidas durante os violentos confrontos de classes. A operação, sem precedentes em um regime comunista, teve uma grande repercussão mundial, em especial entre a juventude e os intelectuais ocidentais.
Contra a "burguesia vermelha"
Menos mortífera, mas mais devastadora que a rebelião Taiping (1851-1864) contra a dinastia Manchu, que deixou 30 milhões de mortos, a Revolução Cultural desencadeou uma verdadeira guerra civil em nome da "luta de classes" contra a nova "burguesia vermelha".
A revolução deixou um trauma profundo. Após a morte do presidente Mao, seu sucessor, Deng Xiaoping, ele mesmo vítima das punições, abriu o país aos capitais estrangeiros e tentou se livrar de forma discreta do legado maoísta para salvar o regime.
Desde então, a China se converteu na segunda potência mundial.
Mao intocável
Assim como Lênin tem seu mausoléu na praça Vermelha de Moscou, Mao tem o seu na praça de Tiananmen: intocável, a figura do fundador do regime só foi alvo de um balanço oficial que, em 1980, atribuía a ele 70% de decisões justas e 30% de erros, entre eles o desastre da Revolução Cultural.
O atual presidente, Xi Jinping, freou uma incipiente corrente neomaoísta, personificada por seu rival Bo Xilai, deposto e condenado à prisão perpétua em 2014. Mas sem tocar Mao, sempre número um do panteão nacional, à frente de Deng Xiaoping.
Na quarta-feira (11), o jornal oficial Global Times informava sobre um show polêmico no Grande Palácio do Povo de Pequim, onde foram interpretados cantos revolucionários em memória de Mao pelo aniversário da revolução.
"Alguns movimentos de esquerda se veem tentados pela ideia de uma luta de classes, impulsionada pelo aumento das desigualdades", explica Jean-Pierre Cabestan, sinólogo em Hong Kong, embora "isso não seja a política do poder, pelo contrário".
Xi pertence à geração dos "guardas vermelhos" e parece se inclinar por um estilo "a la Mao". Partidário, como seus antecessores, de fazer todo o possível para conseguir a estabilidade, manda deter as vozes críticas ao regime e defende o retorno dos valores comunistas.
"Movendo o cursor até Mao, dá a impressão de se distanciar de Deng e de querer restabelecer uma espécie de autoritarismo repressivo", observa Cabestán.