A decisão dos britânicos de abandonar a UE ilustra uma "revolta dos povos" contra suas elites tanto na Europa quanto em outros países, como demonstra o fenômeno Donald Trump nos Estados Unidos, afirmam os analistas.
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"É a explicação do que acaba de acontecer: os britânicos disseram 'Não' às suas elites. É uma revolta dos pequenos contra os ricos", analisa Dominique Moisi, do Instituto Francês de Relações Internacionais (Ifri).
Os resultados da votação no Reino Unido mostram as divisões do país, em especial na Inglaterra: Londres, a cosmopolita, votou por ficar na UE; a saída foi referendada no norte industrial e no sudeste, onde o discurso anti-imigrantes teve êxito.
"A confiança das pessoas no sistema desapareceu. A UE se tornou um produto difícil de vender no Reino Unido ou em quase toda a Europa", enfatiza Melanie Sully, cientista política britânica residente na Áustria.
Diretora do instituto de pesquisas Go Governance em Viena, Sully enfatiza que o partido eurofóbico britânico UKIP "e partidos similares em outros países prosperam sobre a fúria das pessoas ignoradas pelos poderosos, em escala nacional ou europeia".
"Eles têm a sensação de terem sido abandonados, que nada se faz por eles, em particular em termos de imigração ou economia", acrescentou.
Ex-presidente conservadora do Parlamento Europeu (1999-2002), a francesa Nicole Fontaine não se mostra "muito surpresa com a votação das populações fragilizadas", que acusa a "Europa enferma por seu déficit democrático".
Os eurocéticos de todas as tendências triunfaram contra "a elite europeísta" e pedem para realizar referendos em seus países sobre uma eventual saída da UE, como Marine Le Pen ou Geert Wilders, líderes da extrema-direita na França e Holanda, respectivamente.
"Os britânicos mostram a Europa a caminho do futuro e da libertação", declarou Geert Wilders, cujo partido lidera as pesquisas para as legislativas holandesas de março de 2017.
"A lição é que a União Europeia ou deve mudar ou sair de si mesma", observou Jean-Luc Mélenchon, líder da esquerda francesa, que defendeu vitoriosamente em 2005 o "não" em um referendo sobre a Constituição europeia.
"O lado obscuro da força"
O Brexit é, de fato, a conscientização espetacular do sucesso dos populismos.
Seu avanço é claro há anos na Holanda e na França, dois países fundadores da UE, na Áustria, onde a extrema-direita quase consegue, em maio, a presidência, e na Itália, onde o Movimento Cinco Estrelas (M5S) acaba de conquistar a prefeitura de Roma.
Fora da Europa, o fenômeno chegou a países tão diversos como Filipinas, Guatemala e, em especial, os Estados Unidos, país onde ninguém imaginava há um ano que o magnata Donald Trump iria vencer as primárias republicanas para a Casa Branca.
"Os dirigentes não compreenderam a crescente desamor dos povos em relação a uma Europa na qual não se reconhecem. A Europa foi feita sem os povos. Agora é preciso começar do inicio", reitera Nicole Fontaine.
O presidente francês, François Hollande, pediu nesta sexta-feira (24) um novo impulso europeu e a realizar mudanças profundas depois da "escolha dolorosa " dos britânicos, que faz temer um contágio pelo continente.
"Pode ter um efeito dominó particularmente perigoso", destacou Moisi, que não acha excessivo comparar o significado histórico do Brexit com a queda do comunismo.
"Lembra 'Star Wars': há um lado luminoso e um lado obscuro da Força. O lado luminoso é a queda do Muro de Berlim e o lado obscuro é o Brexit".