ENTREVISTA

Pacto com Farc na Colômbia 'é o melhor possível', diz chefe negociador do governo

O advogado Humberto de la Calle liderou as negociações entre o governo colombiano e as Farc

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Publicado em 27/09/2016 às 10:22
Foto: LUIS ROBAYO / AFP
O advogado Humberto de la Calle liderou as negociações entre o governo colombiano e as Farc - FOTO: Foto: LUIS ROBAYO / AFP
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A Colômbia, que no próximo domingo se pronunciará nas urnas sobre o acordo de paz selado com as Farc, deve saber que este pacto "é o melhor possível" e que não pode ser renegociado, disse o líder do governo nos diálogos com esta guerrilha.

Humberto de la Calle, o advogado que liderou a delegação do presidente Juan Manuel Santos nas negociações com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), foi categórico em uma entrevista à AFP: "Esta é a oportunidade" de parar de nos matarmos "pelas ideias".

"Votar 'Não' acreditando que voltaremos para corrigir o que quisermos é uma ilusão", disse sobre o referendo do acordo para acabar com um conflito de meio século, que também envolveu paramilitares e agentes do Estado, com um saldo de mais de 260.000 mortos.

A seguir, um resumo da conversa com este político de 70 anos que não se lembra de outra coisa que não seja violência na Colômbia em sua vida, e que pensou em seus netos permanentemente durante os quatro anos de árduas negociações em Cuba com a principal guerrilha da América:

- Missão cumprida, apesar do desgaste de sua saúde, que lhe custou inclusive um problema auditivo por tantas viagens de avião a Havana?

- Sinto que é missão cumprida e me sinto muito feliz. Mas, ao mesmo tempo, o que começa é difícil. A paz não é feita por milagre. Todos temos que fazer esforços materiais, mas também espirituais, de mudança de atitude. O que temos à frente é um grande desafio.

- O que vai acontecer se o 'Não' vencer no domingo?

- Gostaria que a pessoa que votar 'Não' esteja consciente das consequências: o processo de paz termina. Não pode acontecer conosco o que houve com o Brexit, que as pessoas se surpreendam no dia seguinte. Não compartilho a ideia de que o 'Não' vence e vamos negociar de novo. Esta é a oportunidade. A história mostra que, depois de uma ruptura, as partes retornam as suas posições mais radicais iniciais. Votar 'Não' acreditando que voltaremos a corrigir o que quisermos é uma ilusão. Este é o melhor acordo possível.

- Tem ambições políticas?

- (Risos) Todos me perguntam e sempre digo que não tenho neurônios para pensar nisso. Minha tarefa é encarrilhar o que segue. Vamos deixar assim por enquanto.

- Os chefes guerrilheiros serão presos?

- Terão que cumprir sanções restritivas da liberdade se forem condenados por um tribunal autônomo e independente. E isso ocorrerá a respeito também de outras autoridades. Esta solução é equilibrada porque também se aplica aos militares desviados de suas funções constitucionais e a terceiros que fomentaram a guerra. A pessoa que não aceitar a jurisdição deste tribunal irá para a prisão, em regime ordinário, 20 anos, intramuros. Mas quem agir de boa fé, contar a verdade, reparar as vítimas, tem uma pena alternativa.

- E quem tiver uma pena poderá ocupar um cargo eletivo?

- Isso terá que ser decidido pelo tribunal, mas nossa posição é a maior participação política das Farc. Um ex-político dizia que é preferível que deixem de disparar balas e disparem suas falas no Congresso. A base disso é que não nos matemos pelas ideias. Trata-se disso.

- Sua contraparte das Farc, Iván Márquez, chorou quando declarou o fim da guerra. E você?

- Não chorei, mas a visita das vítimas a Havana foi extremamente comovente.

- Seu famoso pessimismo...

- (Risos) Neste momento estou iludido, acredito que vamos bem. Se o 'Sim' vencer, a Colômbia tomará um caminho razoável. Meu ceticismo é que não quero pensar com o desejo. Quero ser realista. Quando as pessoas estão em uma dança, não veem os outros casais. Mas, se sobem no palco, veem as pessoas dançando embaixo e é o que costumo fazer. A primeira recordação da minha vida é em meio à violência. É uma criança que quando adquire o uso da razão vê violência. (...) Não é retórica dizer que queremos um país melhor para as crianças.

- Pensou em seus netos ao negociar?

- Permanentemente.

- Alguma vez teve a síndrome de Estocolmo?

- Não, à noite sempre me exercitava diante de um espelho, dava tapas no rosto e dizia: 'Não se esqueça do que se trata e com quem está falando'. Consegui entender melhor as Farc, também consegui entender melhor a Colômbia. Também cresci espiritualmente, mas não para entrar na pele das Farc. Tenho ideias completamente diferentes e continuaremos sendo antagônicos na vida política.

- O que pensa do presidente Santos?

- Teve a grande liderança e a valentia de mudar o rumo e de convocar um referendo. Dizer 'Eu negocio, mas os colombianos decidem' tem muito valor.

- E o líder das Farc, 'Timochenko'?

- Mostra uma personalidade serena. Não o conheci muito, mas se uma pessoa encontrá-lo na rua não pensaria que é o chefe dessa organização.

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