Quando Fidel Castro governava, o acesso à internet e o trabalho privado em Cuba eram muito limitados. E para uma americana como Corinne Dionne era difícil viajar para a ilha "proibida".
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"Acho que Fidel é o passado e que Raúl é muito melhor, mas muita gente não sabe o que vai acontecer no futuro", disse Dionne, uma professora de 34 anos.
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O líder da Revolução Cubana, que morreu na madrugada de sábado (26) aos 90 anos, dirigiu com mão de ferro a ilha que hoje se abre com cautela à internet, à atividade privada e a uma relação "de iguais" com os Estados Unidos, seu adversário da Guerra Fria.
A Cuba deixada por Fidel aos 90 anos não é a mesma dirigida por ele por quase cinco décadas, até que uma crise intestinal o obrigou a delegar o poder a seu irmão Raúl em 2006.
Fidel já não governava, mas para muitos cubanos nada acontecia sem seu consentimento.
Apegado ao socialismo e ao regime de partido único, seu irmão Rául flexibilizou o desgastado modelo de corte soviético, e restabeleceu relações diplomáticas com Washington, no governo de Barack Obama, que será substituído pelo imprevisível Donald Trump.
Obama, que visitou Havana em março, ampliou as opções de viagem dos americanos à ilha e adotou outas medidas para suavizar o embargo vigente desde 1962.
Incerteza
Dionne passeia por Cuba graças aos laços renovados entre Havana e Washington, enquanto Javier Madera, um estudante de engenharia de 24 anos, trabalha por conta própria em um loja de decoração de cerâmica amparado na abertura econômica.
Ao mesmo tempo o casal Indiana Valdés e Maykel Duquesne, que trabalha em um banco estatal, se comunica com seus familiares nos Estados Unidos de um dos 200 pontos de wi-fi, inexistentes na era de Fidel.
Em 2005 não havia mais 165.000 trabalhadores liberais. Atualmente, esse número chega a meio milhão dentro de uma força de trabalho de cinco milhões de cubanos.
Tudo isso simboliza as mudanças experimentadas por Cuba sem Fidel no comando, mas influenciando nos bastidores.
Agora que o líder histórico morreu, e que Raúl, de 85 anos, está a pouco mais de um ano de sua anunciada aposentadoria do governo, a incerteza ganha forma, sobretudo enquanto os Estados Unidos aguardam a posse de Trump, que descreveu Fidel como um "ditador brutal".
"Fidel era o protetor da ilha, estava em tudo. Não sei se haverá mudanças. Não sei o que dizer", disse Valdés.
A ponto de chorar, a mulher de 43 anos lembra os "muitos anos" que viveu sob o governo dos Castro. Sem Fidel o socialismo em Cuba continuará? Valdés olha para o mundo e ergue os ombros: "Não sei".
A quilômetros dali, a professora Dionne, que chegou há oito dias da Filadélfia em Havana com 40 alunos, relata os telefonemas pânico que recebeu dos pais após a morte de Fidel Castro.
"Eles têm medo porque acham que haverá manifestações, marchas e protestos. Minha diretora queria que não saíssemos de noite e que adiantássemos a viagem de volta", contou.
Mas além do medo sem motivo, Dionne ressalta as dúvidas. "Enquanto me perguntam de Trump, eu lhes pergunto sobre a ausência de Fidel. O futuro é desconhecido".
Vazio
Neste final de semana a capital cubana está diferente. Não há grupos de música nas esquinas, e o rum é vendido em poucos lugares como parte do luto nacional de nove dias, que acabará em 4 de dezembro com o enterro das cinzas de Fidel em Santiago de Cuba, no oriente da ilha.
Em uma Havana estranhamente silenciosa, Armando Lobaina, de 50 anos, convidava com desânimo os turistas a pegar seu táxi. Como muitos, Lobaina confessa que chorou pela morte do pai da Revolução cubana. "Sem Fidel se sente um vazio".
Agora sem ele, espera que Raúl e seu futuro sucessor não acelerem as medidas para evitar um colapso do sistema socialista ao qual Lobaina atribui "coisas boas" como a saúde e a educação gratuitas.
"Fidel achava que não se podia confiar nem um pouquinho nos americanos, Raúl parece que confiou, mas o que Fidel plantou é difícil que se perca", argumentou.
Ainda assim Lobaina tem dúvidas. "As coisas estão mudando passo a passo, e a coisa não pode se precipitar porque há pessoas que não gostam de mudanças. Tudo dependerá agora dos que estão em cima", diz em referência à cúpula do Partido Comunista cubano.