O papa Francisco evocou, neste domingo (23), diante de 100.000 fiéis católicos, o extermínio dos judeus da Lituânia, cometido pelos nazistas, 75 anos depois do fim do gueto de Vilnius, e convocou as novas gerações a não cederem a "cantos de sereia" similares.
Durante seu segundo dia na Lituânia, em sua turnê pelos países bálticos, o papa lembrou dos sofrimentos passados pela população, sob o jugo dos nazistas e, depois, dos soviéticos, ao visitar também uma antiga sala de torturas da KGB.
No memorial às vítimas do gueto de Vilnius, o papa depositou um buquê de rosas amarelas e rezou em silêncio.
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Depois, apertou a mão da líder da comunidade judaica, Faina Kukliansky, que conseguiu fazer o sumo pontífice incluir esta etapa em sua visita, após "cinco meses de negociações" com o episcopado, o Vaticano e organizações judaicas internacionais.
"Não entendo o que aconteceu. Antes de organizar uma visita de Estado, é preciso o calendário das comemorações previstas nessas datas. Neste caso, o 75º aniversário da liquidação do gueto de Vilnius", disse ela à AFP neste domingo.
Uma sobrevivente do gueto de Vilnius, Fania Brancovskaja, de 96 anos, preferiu ir neste domingo ao Museu memorial de Paneriai, um bairro de Vilnius, onde os alemães exterminaram milhares de pessoas. A maioria era judia.
"Acho que é muito importante que o papa reze pelas vítimas dos nazistas, já que tem gente no mundo que acredita que o extermínio é um invenção dos judeus", afirmou.
"É uma mensagem moral poderoso, não apenas para os judeus assassinados em Vilnius, mas para todos os nossos mortos em diferentes países", acrescentou ela,única sobrevivente de uma grande família judia.
Pela manhã, o papa já havia posto o foco em um passado trágico, durante uma visita a Kaunas, segunda maior cidade do país.
"Há 75 anos, esta nação presenciava a destruição definitiva do gueto de Vilnius. Assim, tinha fim a aniquilação de milhares de hebreus, que já havia começado dois anos antes", lembrou o papa, em tom grave, antes da oração do Ângelus, em um parque de Kaunas.
O sumo pontífice pediu o "discernimento para detectar a tempo qualquer novo surto dessa atitude perniciosa, qualquer ar que dilua o coração das gerações que não viveram aquilo e que, às vezes, podem correr atrás desses cantos de sereia".
"Penso, nesses últimos dias, particularmente na comunidade judaica", acrescentou.
Pouco antes, em outra missa que reuniu uma multidão, o papa também evocou os sofrimentos da população.
"Criemos memória daqueles tempos. As gerações passadas terão deixado gravado a fogo o tempo da Ocupação, a angústia dos que eram levados, a incerteza dos que não voltavam, a vergonha da delação, da traição", afirmou.
"Kaunas sabe disso. A Lituânia inteira pode testemunhar com um calafrio diante da simples menção da Sibéria, ou dos guetos de Vilnius e de Kaunas", completou.
Nesse momento, cerca de 20 judeus reunidos na sinagoga de Vilnius, a centenas de quilômetros, enumeravam com tristeza o nome de alguns sobreviventes do gueto, onde morreram 70.000 pessoas.
A visita do papa a este país de menos de 2,9 milhões de habitantes, católicos em sua maioria, emocionou Kaunas.
"Ele nos traz esperança. Que esperança? A de um amanhã melhor", disse Edyta, uma mulher de 30 anos.
'Jerusalém do Norte'
Chamados "litvaks", os judeus lituanos formavam, até os anos 1940, uma comunidade de mais de 200.000 membros que fizeram florescer a literatura iídiche e a vida religiosa.
Muitos políticos, como o ex-premiê israelense Ehud Barak, personagens da cultura como o escritor Amós Oz, artistas e empresários têm raízes lituanas.
O extermínio cometido pelos nazistas — com alguns colaboradores lituanos — afetou praticamente todos aqueles que haviam transformado Vilnius na "Jerusalém do Norte".
Os poucos sobreviventes foram, em muitos casos, ajudados por amigos lituanos. Hoje, não restam mais do que 3.000 judeus no país.
Quando falam da Segunda Guerra Mundial, os lituanos adotam o plural para falar de duas Ocupações: a alemã e a soviética.
A Polícia política de Moscou, a KGB, assumiu a prisão da Gestapo e a usou até os anos 1980 para deter e interrogar os religiosos que se negavam a aceitar a perseguição contra o clero e os fiéis. Foi o caso de Sigitas Tamkevicius.
Detido em 1983, ele foi duramente interrogado pelos investigadores da KGB, que queriam interromper a todo custo a redação e a difusão de um boletim não autorizado sobre as perseguições dos católicos, o "Crônica".
O periódico circulava de forma clandestina para o Ocidente e era lido pelas emissoras de rádio que emitiam sua programação do exterior.
Após a homenagem silenciosa às vítimas do Holocausto, o papa Francisco seguiu para a cela de Tamkevicius na antiga prisão, transformada em museu.