A Força Armada venezuelana se declarou em alerta para evitar uma violação do território diante da pretensão do opositor Juan Guaidó de fazer entrar no próximo sábado (23) a ajuda humanitária armazenada em Brasil, Colômbia e Curaçao, ilha com a qual Caracas fechou nesta terça (19) sua fronteira marítima e aérea.
O presidente Nicolás Maduro disse ter recebido nesta terça-feira uma promessa de "lealdade" em reunião com "1.000 comandantes militares", realizada na véspera da mobilização convocada por Guaidó para acompanhar as brigadas de voluntários que vão buscar a ajuda humanitária nas fronteiras.
"A Força Armada permanecerá mobilizada e alerta ao longo das fronteiras (...) para evitar qualquer violação da integridade de seu território", assegurou o ministro da Defesa, general Vladimir Padrino.
Reconhecido por cerca de 50 países como presidente interino, Guaidó liderou uma discussão no Congresso, de maioria opositora, que aprovou a entrada da ajuda. "É uma ordem direta para a Força Armada, que deve cumprir de forma imediata", assegurou.
O general Padrino garantiu que os militares não vão se deixar "chantagear" e qualificou de "torrente de mentiras" que o presidente americano, Donald Trump, e Guaidó falem da "suposta ajuda humanitária" como um conflito entre a Força Armada e os venezuelanos.
Cargas de remédios e alimentos enviadas pelos Estados Unidos estão ameaçadas na cidade colombiana de Cúcuta, perto da ponte fronteiriça de Tienditas, bloqueadas por militares venezuelanos.
O Brasil, que vai instalar um centro de aprovisionamento no estado fronteiriço de Roraima, prepara uma operação para fornecer ajuda humanitária em "cooperação com o governo dos Estados Unidos", disse em Brasília o porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros.
As autoridades venezuelanas determinaram o fechamento da fronteira marítima e aérea da Venezuela com Aruba, Bonaire e Curaçao, confirmou à AFP o comandante dessa região, almirante Vladimir Quintero.
"Vão ter que passar por cima destes cadáveres"
Os venezuelanos carecem de comida e remédios, além de sofrerem com uma hiperinflação que o FMI projeta em 10.000.000% este ano. Fugindo da crise, 2,3 milhões de venezuelanos (7% da população) emigraram desde 2015, segundo a ONU.
Mas Maduro, que atribui a crise a sanções financeiras de Washington, chama a ajuda enviada pelos Estados Unidos de um "show" e de "migalhas" de "comida podre", que servirão de pretexto para invadir militarmente a Venezuela.
Em ato de graduação de médicos, transmitido pela TV estatal, o presidente desafiou Guaidó a convocar eleições "para derrubá-lo com votos".
"Tem um palhaço por aí que diz ser presidente interino. Bom, se o senhor é presidente interino, a primeira coisa que tem que fazer ou que tinha que fazer, é convocar eleições. Por que não convocou?, perguntem vocês. Por que o pretenso e autoproclamado não convocou eleições?", indagou Maduro.
"Por que não convoca eleições para derrubá-lo com votos do povo? Convoque eleições, senhor autoproclamado, senhor palhaço", insistiu.
Trump não descarta uma ação militar na Venezuela e na segunda-feira advertiu os militares que continuam apoiando Maduro que "não encontrarão um refúgio". "Vão perder tudo", ameaçou.
"Não vão poder passar pelo espírito patriótico da Força Armada pela via da força para impor um governo fantoche, genuflexo, entreguista, antipatriótico, não vão conseguir. Vão ter que passar por cima destes cadáveres", respondeu o general Padrino.
Cuba, por sua vez, refutou nesta terça-feira o que qualificou de "infame" acusação dos Estados Unidos sobre a presença de tropas cubanas na Venezuela para apoiar Maduro e insistiu em que Washington prepara "uma ação militar com pretexto humanitário".
Guaidó, que diz esperar que os brigadistas aumentem de 700.000 a um milhão, enviou nesta terça-feira mensagens no Twitter a cada líder militar destacado em postos fronteiriços para pedir-lhes que deixem a ajuda passar.
O coronel Pedro José Chirinos, assessor militar adjunto da Venezuela na ONU, se uniu na terça-feira a vários militares que reconhecem Guaidó.
Na quarta-feira, o comandante máximo das Forças Militares da Colômbia, Luis Navarro, e do Comando Sul americano, Craig Faller, se reunirão em Miami para discutir sobre a ajuda que os Estados Unidos vão fornecer através da fronteira colombiana.
Assistência europeia
Antes da sessão parlamentar, Guaidó se reuniu com os embaixadores de França, Reino Unido, Itália, Espanha e Alemanha, e organizações não governamentais.
Nos arredores do Congresso, os embaixadores anunciaram uma ajuda de seus países da ordem de mais de 18 milhões de dólares, além do envio de 70 toneladas de remédios e alimentos da França.
"A França estará à altura deste desafio e desta fraternidade com o povo da Venezuela", disse o embaixador Romain Nadal, que prometeu mais ajuda.
Guaidó marcou para a entrada da ajuda no país o dia em que completa um mês de ter se autoproclamado presidente encarregado, depois que o Congresso declarou Maduro um "usurpador".
Na véspera será realizado em Cúcuta um concerto com artistas internacionais, ao qual assistirão os presidentes Iván Duque (Colômbia) e Sebastián Piñera (Chile) - a quem Maduro acusou nesta terça-feira de incitar o "assalto" à fronteira da Venezuela com a chegada prevista da ajuda no sábado.
O show tem como objetivo arrecadar 100 milhões de dólares em 60 dias, que se somarão aos mais de 110 milhões de dólares reunidos em semanas anteriores.
O músico britânico Roger Waters, um dos fundadores do mítico grupo de rock Pink Floyd, criticou este show, organizado por seu compatriota, o bilionário Richard Branson, tachando a ajuda de um "truque".
Para contrabalançar este concerto, o governo anunciou outros dois nos dias 22 e 23 de fevereiro na ponte Simón Bolívar, que liga Cúcuta à cidade venezuelana de San Antonio, para denunciar "a agressão brutal" que a Venezuela sofre.
Maduro, que também enviará a Cúcuta alimentos e cuidados médicos gratuitos, anunciou que nesta quarta-feira vão chegar ao país 300 toneladas de remédios comprados dos russos, depois das 933 toneladas que entraram na semana passada, vendidas por China, Rússia e Cuba.