O centro de memória do Holocausto Yad Vashem, que recebeu o presidente Jair Bolsonaro nesta terça-feira (2), define em seu site que o nazismo é um movimento de direita. No museu, por outro lado, o presidente afirmou "não ter dúvidas" que o nazismo é de esquerda.
O museu aborda a situação alemã após o Tratado de Versailles - tratado no qual selou a paz entre as principais potências europeias após a Primeira Guerra Mundial - e explica que havia um clima de frustração que, "junto a intransigente resistência e alertas sobre a crescente ameaça do Comunismo, criou solo fértil para o crescimento de grupos radicais de direita na Alemanha, gerando entidades como o Partido Nazista".
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Opinião do ministro
Em um post recente no seu blog, Metapolítica 17, intitulado como "Pela aliança liberal-conservadora", o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, escreveu que "a esquerda fica apavorada cada vez que ressurge o debate sobre a responsabilidade de classificar o nazismo como movimento de esquerda. Dá a impressão de que existe aí um perigoso segredo de família, cuidadosamente guardado", diz o chanceler.
"Livres dessa inibição, podemos facilmente notar que o nazismo tinha traços fundamentais que recomendam classificá-lo na esquerda do espectro político", continuou Araújo, que fez parte da comitiva que acompanhou o presidente na visita ao museu.
"Besteira completa"
Em setembro de 2018, o embaixador alemão no Brasil, Georg Witschel, afirmou, em entrevista ao jornal o Globo, ser "uma besteira completa" dizer que o nazismo foi um movimento político de esquerda. De acordo com o diplomata, há um amplo consenso entre historiadores alemães e mundiais de que Adolf Hitler liderava uma corrente política de direita.
As declarações foram dadas após a divulgação de um vídeo intitulado como "Os alemães não escondem o seu passado. Saiba como se ensina história na Alemanha", publicado pela embaixada da Alemanha no Brasil e pelo consulado alemão no Recife, tem pouco mais de um minuto e provocou várias reações de pessoas nas redes sociais.
A ideia era ressaltar a importância de não esquecer os crimes do nazismo entre 1933 e 1945. O período foi marcado pelo Holocausto, que levou cerca de 6 milhões de judeus e 5 milhões de pessoas de outros grupos à morte.
Direita ou esquerda
Segundo historiadores entrevistados pela BBC Brasil, há uma "confusão" de conceitos. "Tanto o nazismo alemão quanto o fascismo italiano surgem após a Primeira Guerra Mundial, contra o socialismo marxista - que tinha sido vitorioso na Rússia na revolução de outubro de 1917 -, mas também contra o capitalismo liberal que existia na época. É por isso que existe essa confusão", afirmou a professora de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF), Denise Rollemberg.
"Não era que o nazismo fosse à esquerda, mas tinha um ponto de vista crítico em relação ao capitalismo que era comum à crítica que o socialismo marxista fazia também. O que o nazismo falava é que eles queriam fazer um tipo de socialismo, mas que fosse nacionalista, para a Alemanha. Sem a perspectiva de unir revoluções no mundo inteiro, que o marxismo tinha", completou.
A ideia de uma "revolução social para a Alemanha" fez com com que o Partido Nacional-Socialista alemão, em 1919, tivesse origem. Historiadores discordam que o "socialista" no nome seja considerado um movimento de esquerda.
"Me parece que isso é uma grande ignorância da História e de como as coisas aconteceram", disse Izidoro Blikstein, professor de Linguística e Semiótica da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em análise do discurso nazista e totalitário.
"O que é fundamental aí é o termo 'nacional', não é o termo 'socialista' . Essa é a linha de força fundamental do nazismo - a defesa daquilo que é nacional e 'próprio dos alemães'. Aí entra a chamada teoria do arianismo", explicou Blikstein.