Esquerda uruguaia

Eleições colocam esquerda em xeque no Uruguai

A Frente Ampla, partido do presidente Tabaré Vázquez, enfrenta nas urnas, neste domingo (27), uma oposição fortalecida e disposta a formar uma coligação capaz de vencer no segundo turno

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Publicado em 27/10/2019 às 8:57
Foto: Evaristo Sa /AFP
Tabaré Vazquez faleceu na madrugada deste domingo (6) aos 80 anos, em Montevidéu, devido um câncer de pulmão detectado em agosto de 2019 - FOTO: Foto: Evaristo Sa /AFP
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Pela primeira vez em 15 anos, a esquerda uruguaia chega à reta final de uma eleição na defensiva. A Frente Ampla, partido do presidente Tabaré Vázquez, enfrenta nas urnas, neste domingo (27), uma oposição fortalecida e disposta a formar uma coligação capaz de vencer no segundo turno. Nas últimas semanas, porém, um escândalo protagonizado por um líder opositor devolveu a esperança aos governistas.

A Frente Ampla viveu os últimos anos acuada por uma onda de insegurança (o número de homicídios aumentou 46% em 2019), uma crise na educação (com a taxa de ingresso de 50% no nível secundário, quando Vázquez prometeu chegar a 75%) e uma série de irregularidades, como a que envolveu o ex-vice-presidente Raúl Sendic. Ele renunciou após ter dito que era formado em genética humana, quando não era, e após terem descoberto que ele fez uso abusivo de cartões de crédito corporativos quando era presidente da estatal petrolífera, Ancap, no governo de José Mujica.

O segundo turno está marcado para o último domingo de novembro. Apenas uma vez desde 1966, quando foi feita a reforma eleitoral, um candidato conseguiu ganhar no primeiro turno. Foi Vázquez em 2004, após a crise econômica de 2002.

As pesquisas mostram um avanço da Frente Ampla, cujo candidato é o ex-prefeito de Montevidéu Daniel Martínez, e o estancamento da oposição. A média dos principais institutos (Cifra, Equipos, Opción, Radar e Factum) dá à esquerda 41% das intenções de voto, 27% ao Partido Nacional, 13% ao Partido Colorado e 11% ao Cabildo Abierto, mas a expectativa é que os três últimos se unam contra o governo no segundo turno. O restante se divide entre pequenos partidos e eleitores que votarão em branco ou nulo.

Nas últimas eleições, as pesquisas subestimaram a Frente Ampla. Com base nisso, as alas governistas esperam chegar aos 43% e advertem que esse é o "número mágico" para se ir ao segundo turno em novembro com chances de vencer.

Há fatos de última hora que muitas pesquisas não conseguiram avaliar. Um dos principais dirigentes do Partido Nacional e intendente da cidade de Colônia é, desde quinta-feira, 24, protagonista de um escândalo sexual: vazaram áudios nos quais ele dá a entender que ampliaria os contratos de alguns funcionários em troca de relações sexuais com uma dirigente do partido.

O Partido Colorado, aliado do Partido Nacional, que fez grande parte de sua campanha exaltando o modelo chileno, vem recebendo numa onda de críticas pela situação do Chile. Já o Cabildo Abierto, com forte marca militar, vem advertindo que, se a Frente Ampla ganhar, estas poderão ser as últimas eleições no Uruguai, sugerindo que o país poderia seguir o caminho de Cuba ou da Venezuela - declarações rechaçadas por vários partidos.

Na reta final de campanha, a Frente Ampla conseguiu realizar importantes mobilizações que reuniram 300 mil pessoas em Montevidéu, cidade de 1,4 milhão de habitantes - o Uruguai tem 3 milhões e 2,6 milhões de eleitores.

O Partido Nacional, de centro-direita, é liderado pelo senador Luis Lacalle Pou, filho do ex-presidente Luis Alberto Lacalle (1990-1995). Sua campanha foi marcada por promessas de encolher o Estado, aumentar o policiamento e devolver à polícia o poder de pedir documentos nas ruas - além de fazer uma reforma na educação que retire dos professores a representatividade nas decisões educacionais.

O Partido Colorado, rival do Partido Nacional até a chegada da democracia, em 1985, é liderado pelo economista Ernesto Talvi, que já anunciou apoio a Lacalle no segundo turno. Como dizia o argentino José Luis Borges, "o que os une não é o amor, mas o ódio" - no caso, à Frente Ampla, a qual esperam tirar do poder. Em troca, Lacalle pode dar a Talvi alguns ministérios.

A terceira força da oposição, é o Cabildo Abierto, que muitos consideram um "partido militar". Seu líder é Guido Manini Ríos, ex-comandante do Exército que foi destituído pelo presidente Vázquez em março. Ele foi afastado após acusar a Justiça de ter abandonado "os princípios mais elementares do direito" - aludindo a julgamentos de militares acusados de crimes de lesa-humanidade durante a ditadura militar (1973-1985).

Ele também é investigado por dar cobertura a um tenente-coronel da reserva que confessou ter jogado num rio o corpo de um preso político. Lacalle Pou depende de Manini Ríos - que, embora tenha adiantado que não apoiará a Frente Ampla, não deixou claro se formará uma coalizão com o Partido Nacional ou com o Colorado.

Plebiscito

Hoje os uruguaios também votarão em um plebiscito, proposto pelo Partido Nacional, para decidir se concedem aos militares o poder de polícia, se serão permitidas blitze noturnas - prática comum nos tempos da ditadura - e se haverá prisão perpétua para quem cometer crimes graves, o que inclui assassinos, molestadores de crianças e autores de homicídios múltiplos.

Para que o projeto seja aprovado, precisa obter 50% dos votos. Pesquisas mostram que a maioria dos cidadãos é favorável às propostas, mas por uma margem tão pequena que há dúvidas sobre o resultado da votação.

Luis Lacalle Pou, Ernesto Talvi e até o líder do Cabildo Abierto, o ex-comandante do Exército Guido Manini Ríos, já se manifestaram contra o projeto, impulsionado pelo ex-pré-candidato à presidência e senador do Partido Nacional Jorge Larrañaga. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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