Unidades da polícia nas cidades de La Paz, Santa Cruz, Sucre e Cochabamba se rebelaram nesta sexta-feira (8) contra o polêmica vitória eleitoral do presidente Evo Morales, que denunciou um "golpe" em andamento na Bolívia. A revolta teve início em Cochabamba, quando um policial com o rosto coberto anunciou no Quartel-General da Unidade Tática de Operações: "Estamos amotinados". Outro policial acrescentou: "Vamos estar com o povo, não com os generais".
Em Sucre, capital de Chuquisaca, agentes da polícia anunciaram em seguida seu apoio à revolta. "Não podemos seguir com este 'narcogoverno', com esta democracia injusta". Os agentes do comando de Santa Cruz fecharam a unidade e vários policiais subiram no teto do prédio com bandeiras bolivianas, como os rebelados em Cochabamba, e na noite de sexta-feira a revolta teve a adesão de diversas guarnições de La Paz.
Morales reagiu denunciando um golpe de Estado "em andamento" após se reunir com parte do seu gabinete. "Irmãos e irmãs, nossa democracia está sob risco de um golpe de Estado colocado em andamento por violentos que atentam contra a ordem constitucional. Denunciamos à comunidade internacional este atentado contra o Estado de direito", tuitou o presidente de esquerda.
"Convoco o nosso povo para cuidar pacificamente da democracia e da CPE (Constituição Política do Estado) para preservar a paz e a vida como bens supremos,acima de qualquer interesse político".
Hermanas y hermanos, nuestra democracia está en riesgo por el golpe de Estado que han puesto en marcha grupos violentos que atentan contra el orden constitucional. Denunciamos ante la comunidad internacional este atentado contra el Estado de Derecho.
— Evo Morales Ayma (@evoespueblo) November 9, 2019
O ministro da Defesa, Javier Zavaleta, informou que o governo não ordenará uma operação militar contra os policiais revoltados. "Não vai haver qualquer operação militar neste momento, isto está totalmente descartado", declarou Zavaleta à imprensa sobre os amotinados.
Polícia com manifestantes
Milhares de manifestantes foram às unidades policiais de La Paz, Potosí, Cochabamba e Trinidad para incentivar os policiais à revolta. A rebelião ganhou força com imagens de TV de policiais no alto do prédio do quartel da polícia UTOP de Cochabamba, enquanto dezenas de jovens opositores se amontoavam nos arredores, saudando-os da rua.
Na Avenida Prado, a principal de La Paz, dezenas de policiais se uniram a manifestantes opositores na noite desta sexta-feira para exigir a saída de Morales. Em diversos bairros de La Paz, os policiais voltaram para seus quartéis, enquanto a multidão grita: "policial, amigo, o povo está contigo".
Manifestantes se concentraram diante do Colégio Militar de La Paz para pedir aos alunos que se unam à cruzada pela renúncia de Morales. Na zona de Obrajes, ao sul de La Paz, a população celebrava a revolta policial como se fosse uma vitória da seleção boliviana de futebol, observou um jornalista da AFP.
Emoção
Hoje o rosto mais visível e radical da oposição boliviana, o líder regional Luis Fernando Camacho agradeceu aos policiais e se disse emocionado. "Chorei de emoção. Grande a nossa polícia", tuitou Camacho. "Obrigado por ficarem ao lado do povo. Deus os abençoe".
Nas últimas horas, circularam versões sobre queixas e reivindicações de militares contra o comandante da Polícia de Cochabamba, Raúl Grandy, de maus-tratos e ter se inclinado a favor de manifestantes governistas durante os confrontos de rua contra opositores.
No último conflito de quinta-feira, foram registrados durante os confrontos um morto e de 80 a 90 feridos. Segundo versões extraoficiais, os policiais receberam ordens de Grandy de reprimir os manifestantes da oposição e favorecer o grupo de seguidores do presidente Morales.
Bloqueios de rua em La Paz
Iniciados em Santa Cruz, os protestos foram se espalhando gradualmente pelo país e, pela primeira vez, nesta sexta-feira, uma multidão tomou as ruas de La Paz, sede dos Poderes Executivo e Legislativo. Várias avenidas do sul foram bloqueadas. Ônibus, micro-ônibus e táxis se moviam por trechos curtos, e apenas o teleférico (público) circulou normalmente em suas dez linhas.
Em torno da Casa Grande do Povo, a torre onde fica a sede do Executivo de Morales no centro de La Paz, um grande dispositivo de segurança impediu a passagem de manifestantes. O prédio foi cercado pela multidão nas últimas três noites. O prédio de 29 andares contíguo ao Palácio Quemado, a histórica casa de governo, também foi protegido por mineiros e por camponeses aliados ao presidente.
Várias organizações e coletivos sociais se uniram a Camacho, formando uma frente ampla contra Morales, algo que os partidos opositores não conseguiram fazer para as eleições de 20 de outubro passado. A oposição chegou às urnas com oito candidatos à Presidência.
Camacho, líder do poderoso Comitê Cívico Pró-Santa Cruz (direita), disse que, na próxima segunda-feira, levará pessoalmente uma carta de renúncia a Morales. Pretende ir acompanhado de outras lideranças políticas e sociais. O ministro Zavaleta descartou que Morales vá recebê-lo.
O presidente indígena, de 60 anos, no poder desde 2006, ignora as reivindicações da oposição, que o acusa de "fraude" eleitoral. A oposição exige sua saída, a anulação das eleições e uma nova disputa sem Morales como candidato. O presidente rebate, alegando que o pleito foi limpo, e exige que os resultados sejam respeitados.