É um tipo de versão governamental do clássico do terror “O médico e o Monstro”, com uma sensível diferença de um ano entre a transformação de um no outro. O Governo de Pernambuco era o monstro em 2019, a eleição já havia passado quando foi anunciado reajuste no ICMS de vários produtos. A medida foi, na época, apresentada como se fosse um imposto sobre os produtos que os ricos compram, algo que só se escuta falar, normalmente, em campanha do PSOL.
Na verdade, a medida atingia joias, mas também bijuterias, atendia refrigerante, mas também água mineral. Era um simples e puro aumento de impostos com um disfarce socialista para não melindrar eleitores dos deputados da base que iriam ter que aprovar o pacote indigesto. Em 2019 teve aumento também das passagens de ônibus. O reajuste foi de 7,07%, aplicado em março.
Três meses antes, o reajuste do salário mínimo havia sido definido pelo Governo Federal, no fim de 2018: 1,81%. Em resumo, quem recebeu aumento de 1,81% no salário em 2019, precisou arcar com reajustes em impostos de consumo e ainda arcar com um aumento de mais de 7% nas passagens de ônibus. O ano de 2019 ainda foi o período em que o desemprego diminuiu no Brasil, mas não caia em Pernambuco. Recife se destacou negativamente nesse setor. Mesmo assim, o conselho que aprova ou não o reajuste das passagens de ônibus, formado por membros de sindicatos, Legislativo e Executivo, aprovou que a população pagasse mais caro. Em campo sempre fértil, um 7 vira 14 e foi de 14% a proposta do sindicato das empresas de ônibus para o reajuste a ser aplicado neste ano de 2020.
Ao contrário de 2019, quando não havia eleição, as empresas de ônibus encontraram outro humor na recepção à proposta, é como se tivessem entregue a ideia de reajuste para um governo totalmente diferente, mudado, com ares tão sensíveis ao sacrifício diário da população que chegam a comover um ingênuo. Em resposta, o governo classificou a proposta como “inaceitável”. A nota disse ainda que o Executivo “não abre mão de continuar tendo uma das tarifas mais baratas do País”. Mais ainda, cobrou as empresas de ônibus para fazerem "a parte deles no funcionamento do sistema, na renovação da frota, com ampliação da climatização, e na pontualidade”.
As respostas a uma mesma situação são tão diferentes que certamente os empresários amanheceram o dia conferindo se o email para o qual enviaram a proposta foi o mesmo do ano passado. Talvez alguém diferente tenha recebido, quem sabe.
Em “O médico e o Monstro”, Dr. Jekyll (o médico), homem de elevada moral e senso de comunidade, descobre uma fórmula que o transforma em um homem sem escrúpulos, livre para agir como bem entender, sem se importar com o os outros. Ao beber o líquido, ele se transforma em Mr. Hyde (o monstro). “O estranho caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde”, título original do livro, é uma novela gótica de 1886. Na época, o autor, Robert Louis Stevenson, criou a tal fórmula química, na história, como catalisadora de algo que ele queria abordar: as ocorrências de múltipla personalidade.
Ele ainda não conhecia, talvez, os "fenômenos dos anos eleitorais".
*Igor Maciel é colunista do Jornal do Commercio
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