O chamado feminicídio, assassinato cometido intencionalmente contra a mulher, poderá ser considerado no Código Penal um agravante para o crime de homicídio. A proposta é uma das 68 recomendações do relatório final da comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI) que investiga a violência contra a mulher. O relatório foi apresentado nesta terça-feira (25).
Segundo a relatora da CPMI, senadora Ana Rita (PT-ES), a inclusão da tipificação vai ajudar a proteger as mulheres vítimas de violência e coibir a impunidade. "O agressor que mata a mulher por ela ser mulher, como uma questão de gênero, precisa ser punido de forma rigorosa. A sugestão de alteração [do Código Penal] deve inibir este tipo de crime e salvar a vida de muitas mulheres", disse.
De acordo com o Mapa da Violência: Homicídios de Mulheres, elaborado pelo Instituto Sangari juntamente com o Ministério da Justiça, na década passada, 43 mil mulheres foram assassinadas no Brasil. O estudo mostra ainda que, entre 1980 e 2010, o índice de homicídios de mulheres no país dobrou, passando de 2,3 para 4,6 por 100 mil mulheres, colocando o Brasil na sétima posição mundial no assassinato de mulheres.
Com mais de mil páginas, o relatório também recomenda mudanças pontuais na Lei Maria da Penha e alterações na Lei dos Crimes de Tortura. De acordo com a senadora Ana Rita, as alterações visam a fortalecer a legislação de proteção às vítimas e combater a impunidade.
A recomendação é que as mulheres em situação de violência sejam consideradas vítimas de tortura quando submetidas a intenso sofrimento físico e mental. "Entendemos que as mulheres vítimas de violência durante certo tempo, em ambientes hostis, submetidas a maus-tratos e agressões reiteradas devem ser amparadas pela Lei de Tortura", destacou Ana Rita.
Com relação às alterações na Lei Maria da Penha, a CPMI recomenda a necessidade de se explicitar a competência civil e criminal dos juizados de violência doméstica e vedar a aplicação da fiança ao agressor pela autoridade policial nos crimes de violência doméstica. A recomendação é que só o juiz possa determinar a fiança. Para a relatora, a medida aplicada pela autoridade policial estimula a sensação de impunidade. "A mulher acaba sendo direcionada para o abriga e fica lá enquanto o agressor permanece solto, podendo inclusive cometer outros crimes".
O relatório também recomenda que as audiências para questionar o interesse da vítima em renunciar ao processo sem que a mulher agredida tenha se manifestado a este respeito sejam proibidas.
No tocante ao sistema de justiça, o relatório recomenda a ampliação e criação de delegacias especializadas, juizados, promotorias e defensorias, para erradicar a tolerância dos poderes instituídos no processamento de crimes contra as mulheres. Principalmente no combate ao feminicídio cometido pelos parceiros das mulheres.
O texto traz alguns casos, como o de Christina Gabrielsen, morta em 11 de novembro de 1995, no Recife. O crime está para prescrever. O acusado, ex-companheiro da vítima e único suspeito, Anthenor Ferreira Belleza Neto, havia ameaçado matá-la mais de uma vez e, de acordo com o relatório, alardeava a condição de ser filho de juiz para justificar a sua possível impunidade. "Estamos recomendando ao Judiciário, Ministério Público e à Defensoria Pública que apliquem a lei, infelizmente ainda existem profissionais que não aplicam a Maria da Penha conforme a orientação do Supremo Tribunal Federal (STF)", disse a relatora.
A CPI também recomenda a maior destinação de recursos e ampliação do papel da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) no que diz respeito à articulação nos estados da Rede de Atendimento às Mulheres Vítimas de Violência, bem como o fortalecimento do pacto nacional pelo enfrentamento à violência contra as mulheres, destacando os casos de violência sexual, tráfico, lesbofobia, racismo e violência contra mulheres com deficiência como graves violações dos direitos humanos.
"Estamos apontando para todos os poderes públicos várias medidas que se forem implementadas irão assegurar uma nova realidade no atendimento às mulheres vítimas de violência. Os governos federal e estaduais precisam investir mais recursos e capacitar as pessoas para o planejamento e execução das ações, concluiu Ana Rita.
No total, a CPMI propõe 12 projetos de lei, um projeto de lei complementar e um projeto de resolução como mecanismo para fortalecer o enfrentamento da violência contra a mulher. Um deles prevê que as vítimas de violência possam ter acesso a benefícios públicos, de maneira transitória até que a violência cesse. Uma das propostas prevê que os custos deste benefício tenham, como uma das fontes de pagamento, o agressor. O texto ainda está aberto a contribuições dos parlamentares e tem a votação final prevista para o dia 4 de julho.