Brasília

Processo de impeachment não resolverá crise política, dizem especialistas

Polarização da política e a descrença da população nos partidos políticos permanecerão após o desfecho do julgamento do impedimento da presidenta

Da ABr
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Publicado em 23/03/2016 às 6:37
Foto: Roberto Stuckert/ Filho PR
Polarização da política e a descrença da população nos partidos políticos permanecerão após o desfecho do julgamento do impedimento da presidenta - FOTO: Foto: Roberto Stuckert/ Filho PR
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Em tramitação no Congresso, o pedido de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, independentemente do resultado, não resolverá a crise política vivida pelo país, avaliam cientistas políticos ouvidos pela Agência Brasil. Para os especialistas, a polarização da política e a descrença da população nos partidos políticos permanecerão após o desfecho do julgamento do impedimento da presidenta.

Para o cientista político e professor titular do curso de ciência política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Carlos Ranulfo, o impeachment não representa risco à democracia, mas ele considera a constitucionalidade do procedimento discutível. “Estamos discutindo o afastamento de um presidente sem base jurídica para tanto. É diferente o  afastamento político do afastamento por crime de responsabilidade. Mas não há crime de responsabilidade que possa ser imputado a Dilma. É uma violência à Constituição”, disse Ranulfo.

O cientista político, antropólogo e sociólogo da Universidade de Brasília (UnB) Antônio Flávio Testa considera que o momento político brasileiro fortalecerá a democracia e as instituições. Para Testa, o pedido de impedimento de Dilma tem fundamentação legal e “ótima fundamentação”. “Não vejo problemas [quanto à fundamentação do pedido]. As pedaladas fiscais foram julgadas pelo TCU [Tribunal de Contas da União] e configuram crime de responsabilidade”, afirmou, referindo-se ao mecanismo usado pelo governo, no ano passado, de repassar dinheiro de benefícios sociais à Caixa Econômica depois que o banco já havia feito o pagamento aos beneficiários.

De acordo com o cientista político e professor do curso de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Maurício Santoro, no entanto, diferentemente do processo que resultou no impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, que, segundo ele, unificou o país e fortaleceu a democracia, no caso da presidenta Dilma Rousseff o resultado deve provocar ainda mais tensionamento.

“O processo contra o Collor fortaleceu a democracia. Tínhamos uma visão de que aquele impeachment era necessário. [Hoje] embora pesquisas demonstrem grande apoio ao impeachment, a base legal do pedido é bastante controversa. Não há, como houve no Collor, uma prova de que ela tenha recebido ou sido beneficiada pela corrupção”, comparou Santoro.

Para ele, o clima de divisão política pode resultar, no Brasil, em um desfecho semelhante ao ocorrido na Itália, com a eleição de Silvio Berlusconi, após a Operação Mãos Limpas. “O momento de hoje [no Brasil] tem semelhanças com o que aconteceu na Itália após a Operação Mãos Limpas. Assim como a Mãos Limpas, que resultou na condenação de vários políticos, o resultado não foi uma democracia mais sólida, mas a ascensão de Berlusconi, que representou a expressão: se você não acredita na política, vote em mim. Mesmo dento da democracia, a aversão ao sistema pode gerar coisas muito estranhas”, afirmou.

Na visão da cientista política da Universidade Federal de São Carlos (UFScar) Maria do Socorro Sousa Braga, a não observância dos preceitos constitucionais na análise do impeachment pode agravar ainda mais as disputas políticas nas ruas.

“A democracia vai seguir, independentemente do resultado. No entanto, se não forem observadas as questões legais e se outras lideranças não forem punidas, por exemplo, com certeza podemos ter uma guerra civil. Nossas autoridades têm que ser responsáveis”, disse Maria do Socorro Sousa Braga à Agência Brasil.

Manifestações

Apesar de ressaltar o caráter democrático das manifestações, o cientista político Carlos Ranulfo ressaltou que o Congresso e, principalmente, o Judiciário não devem se deixar pautar pelo clamor popular. “Nenhuma democracia funciona com base na voz das ruas. Ela não te diz para onde ir, nem fundamenta a democracia. Cito o exemplo da Venezuela do [Hugo] Chávez. A voz das ruas é volátil. Ora vai para um lado, ora vai para outro. É um protesto, não fundamenta nada. Por isso que a Justiça não pode se pautar pela voz das ruas. A voz das ruas não faz as leis”, frisou o professor da UFMG.

De acordo com Maurício Santoro, nos últimos anos a pesquisa Latinobarómetro, feita por uma organização não governamental chilena que estuda a opinião pública em 18 países da América Latina, tem registrado uma oscilação do percentual de brasileiros que consideram a democracia o melhor sistema. Reflexo, conforme o professor da Uerj, da descrença de parte da população nos partidos.

Para ele, isso reforça ainda mais o papel do Judiciário neste cenário de crise. “Estamos vendo nos protestos um número expressivo de pessoas com faixas, cartazes expressando sentimento de crítica à democracia e de nostalgia à ditadura. O Poder Judiciário não é eleito por uma razão importante: a gente precisa de autoridades que não respondam aos anseios das ruas - para proteger os direitos das minorias. A democracia é o respeito à vontade das maiorias, mas sem desrespeitar o direito das minorias”, observou Santoro.

Na avaliação da professora Maria do Socorro Sousa Braga, a ida da população às ruas é importante e reforça a percepção sobre os deveres políticos. “É uma forma de mostrar sua insatisfação. E é ainda mais importantes porque as manifestações têm ocorrido sem violência, de forma pacífica e politizada. Sinal de democracia madura, seja de um lado ou de outro”, acrescentou a cientista política da UFSCar.

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