entrevista

Humberto Costa: O povo vai ter saudade de Dilma

Após o impeachment de Dilma Rousseff, o PT enfrenta agora as acusações de corrupção contra seu maior líder, Luiz Inácio Lula da Silva. Para Humberto Costa (PT-PE), a ação do Ministério Público é a continuidade do golpe, mas que esses percalços não significam o fim da sigla. Nesta entrevista, ele defende que, na oposição, a sigla vai se manter na defesa de um modelo econômico diferente

Mariana Araújo
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Mariana Araújo
Publicado em 18/09/2016 às 7:12
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Após o impeachment de Dilma Rousseff, o PT enfrenta agora as acusações de corrupção contra seu maior líder, Luiz Inácio Lula da Silva. Para Humberto Costa (PT-PE), a ação do Ministério Público é a continuidade do golpe, mas que esses percalços não significam o fim da sigla. Nesta entrevista, ele defende que, na oposição, a sigla vai se manter na defesa de um modelo econômico diferente - FOTO: Foto: JC Imagem
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JORNAL DO COMMERCIO - Como o PT recebeu as acusações feitas pelo MPF em relação a Lula?

HUMBERTO COSTA - Para nós, é continuidade do golpe em curso no País. Tivemos a primeira etapa, que foi a derrubada de Dilma, e agora é a tentativa de impedir que Lula seja candidato na próxima eleição. É um processo político. É a continuidade do golpe que foi dado no impeachment. 

JC - No caso do Mensalão, Lula argumentou que não sabia do que estava acontecendo. Com o Petrolão, o mesmo argumento é válido, mesmo depois daquele escândalo anterior?

HUMBERTO - Não está se falando de não sabia. Ele não tinha participação. Não sabia nesse sentido, que era isso que estava sendo montado. O presidente da República pode atender como atender como o governo atual está atendendo aos partidos, em termos de indicações de pessoas para determinados cargos. Em nenhum momento, indica que ninguém cometeu crime.

JC - Isso muda alguma coisa o fato de Lula querer ser candidato em 2018, como ele já declarou?

HUMBERTO - Não, até porque essas denúncias, a sociedade brasileira viu claramente que há um objetivo político por trás disso que é impedir que Lula seja o candidato. Ele vai ter enfrentar, de maneira mais intensa e mais incisiva essas acusações. Ele vai continuar denunciando tudo isso.

JC - Internamente, o partido trabalha em algum nome alternativo ao de Lula?

HUMBERTO - Nós estamos com tanto problema agora que não dá para parar e pensar outros nomes. Tudo depende de muita coisa. Por exemplo, se o prefeito de São Paulo ganha a eleição, não há dúvida que ele se torna um nome nacional automaticamente. tem outras pessoas, como Jaques Wagner, José Pimentel, se for inocentado dessas acusações que estão sendo feitas a ele. O momento agora é de gente fazer uma estratégia, acho que essa discussão de candidatura vai depender muito do que vai acontecer agora na eleição, para onde vai essa Lava Jato.

JC - O partido ainda tem força para um quinto mandato no País?

HUMBERTO - Acho que sim. Tudo que aconteceu nesse final do governo Dilma não é o que foi a tônica dos governos do PT. Esse governo que está entrando agora vai numa posição muito clara de desmontar políticas importantes que a gente construiu, vai numa linha de tentar enfrentar a crise econômica via um processo de ajuste que só vai agravar os problemas sociais, como desemprego. O povo vai ter saudade de Dilma, vai ter saudade do PT. Não vejo como o PT desaparecer da condição de ser alternativa de poder em 2018. Agora, eles vão tentar impedir que a gente possa até mesmo sobreviver. Temos conseguido sobreviver. Acho que o resultado das eleições municipais, que todo mundo dizia que seria tragédia completa, não acredito que vá ser, a gente pode se sair melhor.

JC - A estratégia do PT a partir de agora também será diferente? 

HUMBERTO - Não, continua a mesma. Agora, nós vamos agregar à nossa estratégia a defesa do ex-presidente.

JC - Como será essa oposição, já que é uma luta contra o judiciário e não contra um partido específico?

HUMBERTO - Não é contra o Judiciário, é contra alguns integrantes do Ministério Público que resolveram transformar um processo que requer uma isenção no seu feito, que requer um processo sério de investigação, de levantamento de provas e um julgamento político. Essa é a questão que está em jogo. 

JC - O senhor acha que a pauta nacional, principalmente a voltada a reformas, irá destravar agora, após o impeachment e a cassação de Eduardo Cunha?

HUMBERTO - São temas extremamente polêmicos e apesar de o governo dispor de uma maioria circunstancial muito expressiva, pelo fato de serem temas complexos, com muitas contradições, com elevada rejeição, na sociedade, não acredito que isso vá passar facilmente. Podem passar algumas coisas, mas há uma disputa política dentro e fora do Congresso. Os movimentos sociais, a opinião pública vão se colocar frontalmente contra a maior parte dessas medidas que eles estão anunciando que vão fazer. Não creio que isso vá promover uma distinção ou uma maior facilidade de aprovação por lá. 

JC - Caso as reformas pendentes, como a da previdência e trabalhista, passem pela Câmara, elas deverão encontrar grandes barreiras no Senado?

HUMBERTO - Como se tratam de temas muito delicados, acho que surgirão problemas no Senado também, não somente na Câmara. Na Câmara tem uma base organizada que, além de não ter interesse de aprovar coisas impopulares, que possam prejudicar a perspectiva de reeleição dos deputados que vai acontecer daqui a dois anos, se tem o fisiologismo que é muito forte lá na Câmara. É sempre um momento em que eles vão cobrar benesses, benefícios, emendas, cargos, etc. Isso sempre faz com que as coisas não andem tão rapidamente. NO Senado, a preocupação vai ser basicamente assumir uma posição de apoiar medidas impopulares. Muitos senadores são candidatos à reeleição, dois terços, boa parte deles candidatos à reeleição, outra parte candidatos a governador, e, portanto, não creio que vai ser fácil aprovar essas medidas. 

JC - O senhor acha que há espaço para uma reforma eleitoral maior no Brasil atualmente?

HUMBERTO - Eu acho que esta semana já foi dado um primeiro passo, que diz respeito ao tema das coligações proporcionais, da possibilidade de existência de federações de partidos, a questão da fidelidade partidária e da cláusula de barreira. Essas medidas já vão colocar um freio muito forte na questão da criação de novos partidos. Elas vão atuar no sentido de reduzir fortemente o quadro em termos de número de partidos existentes. Eu acredito que isso é o primeiro passo. Foi aprovado lá no Senado, não teve muitas resistências. Na Câmara vai haver uma negociação prévia. E a tendência é que uma reforma dessa sendo implementada, ela produzir rapidamente uma redução de 40 partidos para 10, vamos dizer. 

JC - Essa é uma das etapas mais importantes da reforma política do País, na sua opinião?

HUMBERTO - Obviamente que essas coisas todas que aconteceram tanto no governo Dilma e que estão acontecendo agora nesse governo de Temer, do ponto de vista da governabilidade. Uma coisa é negociar com até 10 partidos, outra coisa é negociar com 28, 29 ou até mais, dependendo do cenário que possa acontecer. As condições de governabilidade dentro desse presidencialismo de coalizão estão hoje completamente esgotadas. Isso é um fator. Qualquer governo para se manter vai ter que fazer uma ginástica muito grande para governar. Por outro lado, se tem a Operação Lava Jato, da criminalização da política, que fizeram com que o Congresso e aqueles que estão na política vissem a necessidade de a gente fazer algumas mudanças relevantes que possam acabar com essa negociação de tempo de televisão, tempo de rádio, fundo partidário. Também de pensar campanhas mais baratas e, ao mesmo tempo, também de encontrar formas de financiamento que sejam mais republicanas. 

JC - O financiamento público seria o mais viável?

HUMBERTO - Público ou o misto com algumas mudanças. 

JC - O PT vem encabeçando uma campanha pelas Diretas Já após o impeachment de Dilma. Mas a ex-presidente propôs, caso voltasse ao poder, convocar novas eleições e o partido foi contra. Há alguma contradição nesse discurso atual?

HUMBERTO - Na verdade, quando se discutiu a possibilidade do plebiscito e a convocação de novas eleições, a leitura de muita gente, e tinha uma certa razão, era que a gente admitia a convocação de novas eleições, significava de alguma maneira a gente assumir a saída de Dilma e, de alguma forma, legitimar esse processo que estava vivendo. Qualquer saída que não fosse o retorno de Dilma para concluir o mandato, seria visto como o reconhecimento do golpe. Havia essa divergência. Eu pessoalmente era favorável à ideia do plebiscito e novas eleições porque eu entedia que Dilma também tinha perdido boa parte da legitimidade dela, tinha muitas dificuldades para governar. Se ela ganha o plebiscito e não haver novas eleições, ela adquiriria um mínimo de legitimidade para poder lidar com esse Congresso. 

JC - Como têm sido as primeiras atuações do PT na oposição?

HUMBERTO - Nós estamos retomando essa prática. Tivemos uma experiência muito forte com isso. Estamos naquela fase de discutir qual o tipo de oposição que vai fazer, já fazendo também. Por exemplo, quando nós estabelecemos a ideia das eleições Diretas Já, que hoje como não tem mais essa discussão de estar legitimando ou não o golpe, eu vejo que é a única saída de agente ter um governo minimamente legítimo, mas quando a gente está defendendo hoje essa tese, nós estamos nos opondo à bandeira deles de concluírem esse mandato. Quando a gente fala de "nenhum direito a menos", nós também vamos defender uma posição que não prejudique os trabalhadores mais pobres que não só conquistou medidas importantes na Constituinte de 88, como também ao longo dos governos do PT. Também vamos resistir contra a tentativa de tirar direito dos trabalhadores. E vamos continuar nossa defesa num tipo de modelo econômico diferente desses que eles defendem. O partido que já poder, já foi governo, já fez mudanças, não pode fazer oposição por oposição. Tem que fazer uma oposição propositiva, tem que apontar que coisas ele propõe de modo alternativo ao que se está sendo proposto. É uma oposição diferente do que eles fizeram há alguns anos. Fizeram uma oposição cega, uma oposição de quanto pior, melhor. Não vamos fazer isso. Mas nós vamos levantar quais devem ser as saídas para esse momento político e econômico que a gente está vivendo no Brasil hoje. 

JC - O que muda na estratégia do partido a partir de agora?

HUMBERTO - Tem algumas coisas que nós continuamos a defender e tem outras coisas que nós vamos atualizar, em termos de programas, em termos de propostas. É uma das tarefas que nós temos que nos colocar. Não é o projeto do PT agora nessa quadra histórica que nós estamos vivendo.

JC - Como o senhor pretende votar no projeto de revisão das dívidas dos Estados?

HUMBERTO - Primeiro, nós somos contra a maneira como eles fizeram, já havia uma negociação em curso. Era já uma negociação boa e eles simplesmente deram uma moratória aos Estados, que vão passar um tempo sem pagar absolutamente nada. Isso significou R$ 50 bilhões, aproximadamente. O mais grave é que quem manteve as suas contas organizadas, quem teve uma gestão fiscal responsável e quem é mais pobre, não teve nenhum benefício. Esses R$ 50 bilhões vão atender praticamente quatro Estados e todos, praticamente do Sul e Sudeste. O Nordeste, que a maioria dos Estados cumpriu fielmente a Lei de Responsabilidade Fiscal, não assumiu despesas, não fez grandes empréstimos. OU seja, quem fez o dever de casa não teve nenhum benefício. Nós hoje estamos em uma frente dos governadores do Norte e do Nordeste e uma parte do Centro-Oeste para cobrar do governo federal um benefício para a região. Seria R$ 7 bilhões para o Nordeste, isso não é muita coisa para quem deu R$ 50 para Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais e Alagoas. 

JC - O senhor chegou a conversar com Paulo Câmara algo a respeito?

HUMBERTO - Conversamos rapidamente e a preocupação dele é justamente essa, de injustiça. Tem que definir o que é prioritário. 

JC - Há possibilidade de fazer uma articulação? 

HUMBERTO - Já há uma forte articulação. O governador do Piauí, que é do PT, é um dos que está à frente dessa articulação. Por mais de uma vez os governadores do Nordeste estiveram no Senado. Isso está acima de qualquer divergência partidária para que haja oportunidades iguais para todas as regiões. Nós estamos nessa luta para garantir que Pernambuco e outros Estados tenham esse benefício. Inclusive, nós vamos apoiar se os Estados chegaram numa situação de declarar estado de calamidade pública por não ter recursos para manter os serviços essenciais, não ter como pagar a folha de pagamento, folha de salários. 

JC - O senhor vai concorrer à reeleição?

HUMBERTO - Essa é a minha pretensão. É o que eu quero, o que eu desejo. Logicamente que candidatura ao Senado é uma coisa que depende de muitos fatores, não só do candidato. A princípio, eu sou candidato ao Senado. 

JC - O PT já trabalha com a possibilidade de disputar o governo do Estado?

HUMBERTO - Vai depender de muita coisa. Vai depender da eleição de João Paulo, se ele for eleito, como nós acreditamos que vai ser. Nós acreditamos que o PT assume um protagonismo aqui no Estado que ele perdeu há um certo tempo. Não só o PT, mas a oposição. Vamos discutir se o PT vai almejar disputar o governo ou se vamos fazer uma composição. Temos uma relação e uma aliança política com o PTB, com Armando (Monteiro Neto) que não se desfez. Nós temos uma bola relação, temos uma boa relação em municípios do Estado. Nos vamos discutir isso com eles também. É muito cedo para discutir isso, especialmente porque nós estamos no meio da eleição municipal, fica muito especulativo o que nós vamos fazer. 

JC - Os movimentos de rua contrários ao governo Temer devem crescer?

HUMBERTO - Depende de muita coisa. Um movimento como esse, depois de um certo tempo, se não tem um objetivo síntese, as coisas vão se acomodando. Embora a opinião pública continue marcada por aquilo ali. Pode ser que essa meta de eleições Diretas Já, essa palavra de ordem, ela tenha condições de aglutinar pessoas em torno disso. Por outro lado, existem coisas também que podem bater direto no governo. Por exemplo, Cunha. O que ele vai fazer, como o Centrão vai se comportar, vai haver delação de Cunha ou não. Essas delações que fizeram referência à figura de Temer, como isso vai ficar. O ambiente ainda é de muita incerteza. Nós tivemos uma derrota muito grande. Mas acho que não temos um governo consolidado e uma situação de estabilidade. 


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