O presidente Jair Bolsonaro, que prometeu acabar com a corrupção e liberalizar a economia, enfrentou em seu primeiro mês de governo denúncias contra Flávio Bolsonaro, um de seus filhos, e o grave desastre da Vale em Brumadinho.
Bolsonaro também estreou na diplomacia, questionada por sua presença pouco destacada no Fórum Econômico Mundial de Davos (Suíça) e sua aliança com o presidente americano, Donald Trump, para tentar tirar Nicolás Maduro do governo da Venezuela.
O período também foi marcado por problemas de saúde, já que o presidente, de 63 anos, se encontra hospitalizado por conta da intervenção cirúrgica, na segunda-feira, para retirada da bolsa de colostomia que ele carregava desde que levou a facada no abdômen quase fatal durante um ato de campanha em Juiz de Fora (MG), em 6 de setembro.
O verdadeiro desafio para Bolsonaro deve começar nesta sexta-feira (1), quando tiverem início os trabalhos do Senado e Câmara dos Deputados renovados, com partidos com os quais ele deverá lidar para promover suas reformas econômicas.
Promessas e realidades
Bolsonaro prometeu governar sem negociar cargos estatais em troca de apoio político, uma relação de "toma lá, dá cá" que contribuiu com os graves escândalos que minaram o prestígio dos partidos tradicionais.
"Bolsonaro fez uma campanha muito forte contra o presidencialismo de coalizão, associando-o à corrupção, e ficou atado a essa promessa", explica o cientista político Carlos Pereira, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro.
Seu partido político, o Partido Social Liberal (PSL), terá 55 deputados, de um total de 513, e 4 dos 81 senadores.
Para Pereira, relegar os partidos a segundo plano poderá custar caro ao presidente, sobretudo se as denúncias contra seu filho mais velho, o senador eleito Flávio Bolsonaro, forem confirmadas.
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) detectou transações "atípicas" em suas contas e na de um de seus ex-assessores, Flávio Queiroz. A imprensa também apontou possíveis vínculos de seu ex-assessor com o capitão Adriano Magalhães da Nóbrega, que o Ministério Público aponta como uma das lideranças de uma poderosa milícia do Rio de Janeiro.
Flávio Bolsonaro nega qualquer irregularidade e denuncia uma campanha de "difamação" que tem seu pai como alvo. No entanto, se ele não apresentar argumentos convincentes rapidamente, poderá gerar um desgaste a seu grupo político.
"Na ausência de uma coalizão majoritária estável, as suspeitas de corrupção [sobre Flávio Bolsonaro] podem tornar o presidente muito vulnerável desde o início [do mandato]", avalia Pereira.
"Pode haver um aumento do custo das negociações com o Congresso", concorda Leandro Gabiati, diretor da consultora Dominium Associados.
"Quando um governo vem tão imbuído, cheio de ética e de moral e, de repente, tem problemas de suspeitas de corrupção, os próprios congressistas vão dizer 'você precisa do meu voto, mas como está em uma posição de fragilidade, terá que pagar mais, ou ceder mais ao que deputados e senadores demandam para aprovar a agenda do governo", acrescenta.
Aliança liberal-conservadora
Bolsonaro se mostrou parcimonioso em suas palavras em Davos, quando usou apenas seis dos 45 minutos que tinha direito para apresentar seus projetos à elite econômica e política planetária. E boa parte do tempo foi usado para responder às acusações de que o desmatamento avança na Amazônia por causa da agropecuária, um setor que lhe deu apoio eleitoral decisivo.
Mesmo assim, os mercados continuam a apoiá-lo, pela garantia representada pelo ultraliberal Paulo Guedes como ministro da Economia. A Bolsa de São Paulo bateu dez recordes históricos nas primeiras semanas de janeiro.
Bolsonaro também respondeu parcialmente ao eleitorado que o apoiou por suas promessas de combater o crime, ao assinar um decreto que flexibiliza as regras para a posse de armas de fogo. O porte de armamento ficará pendente do Congresso.
"Este Congresso dará a ele votos para avançar em suas políticas sociais mais conservadoras, mas o grande problema é a economia", adverte Gabiati.
O projeto crucial é a reforma da Previdência, que os investidores exigem como garantia de saneamento das contas públicas.
"É uma reforma muito difícil em qualquer país. Se o governo for exitoso, terá um capital [político] muito grande. Mas se fracassar, temo pela continuidade de sua capacidade de governar", opina Pereira.
Catástrofe com viés político
No dia 25 de janeiro, Bolsonaro teve outra estreia: a de enfrentar uma catástrofe humana e ambiental depois que uma barragem da Vale rompeu em Minas Gerais, deixando pelo menos 99 mortos e 259 desaparecidos.
O acidente não pode ser atribuído ao novo governo, mas "esvazia o discurso de que é preciso flexibilizar os processos de licenças ambientais" para empreendimentos produtivos, afirma André César, da consultoria política Hold.
"Certamente o governo terá que calibrar seu discurso e suas políticas públicas, considerando o desastre de Brumadinho", concorda Gabiati.