A norma de contratação de assessores da Assembleia Legislativa do Rio fragiliza a principal justificativa apresentada por Fabrício Queiroz, ex-funcionário de Flávio Bolsonaro (PSL), na defesa por escrito que encaminhou anteontem ao Ministério Público Estadual para explicar a movimentação milionária em sua conta bancária entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017.
A defesa de Queiroz afirmou em sua primeira manifestação na investigação criminal que ele, de forma autônoma e sem o conhecimento de Flávio, gerenciava os salários dos colegas e usava parte dos valores para arregimentar novos assessores de maneira informal.
Na legislatura passada, a Assembleia do Rio, contudo, permitia que um deputado contratasse com a verba do gabinete até 63 assessores, dividindo os salários dos 20 cargos de confiança a que os parlamentares tinham direito. No caso de Flávio, os vencimentos, somados, chegavam a R$ 125.840 por mês.
Na versão da defesa de Queiroz - revelada pelo Estado -, como assessor de Flávio ele procurava "intensificar a atuação política" do então deputado estadual pela "multiplicação dos assessores de base eleitoral" a "partir do gerenciamento financeiro" dos valores que os funcionários de confiança do gabinete recebiam mensalmente.
A Alerj informou, por nota, porém, que seria possível fazer o mesmo, mas de forma legal. Eles deveriam apresentar documentos, seriam nomeados no Diário Oficial do Legislativo e teriam benefícios trabalhistas.
Queiroz também afirmou que Flávio não sabia das contratações informais. Mas a Casa informou que o deputado é responsável por fixar horários de trabalho, fiscalizar frequência e atestar as folhas de ponto.
Investigado em um procedimento criminal que analisa a movimentação de R$ 1,2 milhão em suas contas, Queiroz apresentou uma versão quase três meses após faltar ao primeiro convite para depor - ao todo, ele não atendeu a quatro chamados da Promotoria
O ex-funcionário deixou o Rio no fim do ano passado, para ser operado de um câncer no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, onde agora mora para prosseguir no tratamento. A doença foi um dos argumentos que apresentou para não depor.
Relatório
Queiroz está sob investigação desde o ano passado, quando relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), feito na Operação Furna da Onça, sobre corrupção na Alerj, detectou movimentações atípicas nas contas de assessores de 22 deputados e ex-deputados. Um deles era o então faz-tudo de Flávio, filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro.
Promotores suspeitam de que Queiroz coordenava esquema de "rachadinha" - repasse de parte dos salários dos assessores ao parlamentar, o que é ilegal. A versão seria uma tentativa de encobrir o esquema e afastar suspeitas que recaíram sobre Flávio.
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Cada parlamentar da Alerj tem direito a nomear servidores para 20 cargos de confiança em seu gabinete, segundo a Casa. Até janeiro, esses postos poderiam ser desmembrados, de forma oficial, em até 63 vagas de menor remuneração. Atualmente, são, no máximo, 40 postos.
Em abril de 2018, último número obtido pelo Estado, havia, oficialmente, 22 funcionários em cargos de confiança no gabinete de Flávio.
'Espontânea'
Queiroz disse em sua defesa que jamais se beneficiou de qualquer recurso público "para si ou para terceiro, uma vez que sempre buscou preservar a finalidade pública dos recursos oriundos da remuneração de assessores parlamentares que, sempre, por ajuste prévio livre e espontâneo, foram postos sob sua administração".
O ex-assessor ainda afirmou que Flávio não sabia desta combinação, porque "nunca reputou necessário expor a arquitetura interna do mecanismo que criou ao próprio deputado e ao chefe de gabinete". Declarou que nunca entendeu que estivesse agindo "ilicitamente".
Ao Estado, o advogado de Queiroz, Paulo Klein, disse que a nota da Assembleia confirma a legalidade da conduta de Queiroz. "Ela só reforça que o limite estipulado pela Alerj é insuficiente para atender aos anseios dos deputados. Essa regulamentação da Alerj não veda o que ele fez, ela apenas é omissa. Ele se utilizou de regulamentação federal para poder fazer aquilo que a regulamentação estadual não prevê."
A Alerj informou que a Comissão de Ética da Casa não pode avaliar o caso e tomar medidas cabíveis porque Flávio não é mais deputado e Queiroz não é mais funcionário. Por meio de sua assessoria, o senador afirmou que não iria se manifestar.