Um projeto de lei aprovado no início do mês pelo Senado deixou o presidente Jair Bolsonaro numa saia justa. A proposta obriga a inclusão de informações sobre pessoas com autismo no Censo 2020. Mas a pesquisa, que registra características e condições de vida da população brasileira, foi alvo de corte da equipe econômica, obrigando o IBGE a reduzir o número de perguntas do questionário básico - de 34 para 25 - e do questionário mais completo - de 112 para 76. Como os formulários já foram validados, não resta outra alternativa a não ser o veto presidencial.
O projeto, aprovado no dia 2 de julho pelo Senado, foi apresentado pela deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC) e já havia sido aprovado pela Câmara no fim do ano passado. Na justificativa, a parlamentar alegou que a inexistência de dados oficiais sobre o autismo explica a ausência de políticas públicas nas áreas de educação, saúde e assistência social.
Ao chegar à Presidência da República, a proposta criou um problema para Bolsonaro, pois a inclusão de pessoas com deficiência é uma das principais bandeiras da primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Relatora do projeto no Senado, Mara Gabrilli (PSDB-SP) relatou que técnicos da Casa Civil pediram para que o projeto tramitasse nas comissões temáticas antes de chegar ao plenário. Mas, no dia 2 de julho, a própria senadora foi surpreendida ao saber que a proposta estava na pauta de votações.
"O ideal é que esse projeto de lei tivesse sido aprovado no ano passado, pois aí teríamos tempo hábil para incluir isso no IBGE", reconheceu a senadora. Ela admitiu a dificuldade de se fazer uma pergunta sobre a presença de autistas em uma pesquisa como o censo, embora considere que é preciso jogar luz sobre o tema. "É super desafiador saber como vai ser feita essa pergunta Não adianta chegar no sertão nordestino ou na periferia de São Paulo e perguntar se tem um autista em casa, porque as pessoas não sabem o que isso significa", disse.
Segundo apurou o Estadão/Broadcast, a equipe da ministra Damares Alves destacou que o projeto fere a convenção da pessoa com deficiência - segundo a qual não é um diagnóstico médico que define um autista, mas sim uma avaliação biopsicossocial. Essa avaliação é corroborada pelo Grupo de Washington, que discute metodologias para pesquisar e gerar dados sobre pessoas com deficiência.
Preparação
A preparação para o veto começou a ser desenhada na sexta-feira. Pelo Twitter, Bolsonaro compartilhou um vídeo da presidente do IBGE, Susana Cordeiro Guerra, no qual ela defende que eventuais questionamentos sobre autistas devem ser incluídos na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), e não no Censo. Essa será a justificativa técnica para o veto presidencial, segundo apurou a reportagem. Oficialmente, Bolsonaro tem até o dia 26 para vetar ou não o texto.
- Como explica a presidente do IBGE, o Censo carece de critérios específicos em relação ao autismo, inviabilizando levantamento adequado, mas existe proposta mais precisa, técnica e que trará resultados 2 anos antes, agilizando o desenvolvimento de políticas públicas eficientes. https://t.co/kwZEP31iNI
— Jair M. Bolsonaro (@jairbolsonaro) 12 de julho de 2019
No vídeo, Susana diz que "o Censo não é a pesquisa adequada para se levantar o número de autistas no Brasil". Ela defende que a PNAD é a pesquisa de maior detalhamento do IBGE. Enquanto o censo é realizado a cada 10 anos e envolve milhões de residências, a PNAD é realizada com uma amostra de famílias e tem periodicidade menor, com o objetivo de aprofundar e atualizar os dados do censo.
"Essa condição merece um levantamento específico, com treinamento direcionado a apuração desses dados. O IBGE não quer que números superficiais sejam divulgados que poderiam atrapalhar as políticas públicas para esse grupo", afirma a presidente do IBGE.