O atual debate público no Brasil tem um claro condutor. Dos corredores por onde circula o poder em Brasília às mesas de bar, passando pelos grupos de família no Whatsapp, é como se o presidente Jair Bolsonaro (PSL) pautasse, para o bem ou para o mal, muito do que se discute na arena pública e do que se difunde na internet – e não apenas na política.
Seja em entrevistas à imprensa ou através das redes sociais, suas declarações são motivo de repercussão e escrutínio, e continuam gerando engajamento e memes na web. Como se a beligerante campanha eleitoral de 2018, na qual ele foi eleito, não tivesse acabado.
É na própria internet – terreno onde Bolsonaro, mais do que qualquer político do Brasil, se movimenta com espantosa desenvoltura – que se pode medir o impacto de sua influência no discurso público. No dia 6 de março, após postar um vídeo reclamando de dois homens em ato obsceno durante o Carnaval, o presidente tuitou o já célebre “O que é golden shower?”, numa alusão à prática de urinar no parceiro em meio ao ato sexual.
O Google Trends, mecanismo que rastreia os termos e expressões mais em uso na web em um determinado espaço de tempo, tem uma escala que vai de zero a 100. Um dia após o tweet, “golden shower” chegou aos 100 pontos. O mesmo aconteceu quando, no dia 30 de julho, em entrevista à imprensa, Bolsonaro falou sobre o eventual paradeiro do corpo do estudante Fernando Santa Cruz – desaparecido em 1974, durante a ditadura, e jamais encontrado. No dia seguinte, o nome do militante também atingiu a marca máxima no ranking da ferramenta.
Desde a posse, no dia 1 º de janeiro, até o final de julho, foram 1.180 tweets/posts, média de 5,5 por dia. Postagens que se dividem, basicamente, em quatro eixos: divulgação de ações de governo, comportamento e amenidades, posicionamentos político-ideológicos e críticas à imprensa. Nas redes, quantitativamente, o presidente aposta mais nas realizações da gestão: 44,6% das postagens são relativas a ações diretas como a privatização de aeroportos e a entrega de obras em rodovias, e outras indiretas, como os bons indicadores da Bolsa de Valores.
Mas é no segmento de comportamento e amenidades – segundo no ranking de assuntos das postagens, com 27,1% – que surgem os assuntos que mais repercutem. Do dia da posse até julho, os três tweets mais curtidos pelo público, até agora, são: a manifestação de solidariedade ao apresentador Danilo Gentili em virtude de uma condenação na Justiça (1º), uma foto com a primeira-dama, Michelle, no dia da posse (2°), e um vídeo do presidente com a seleção brasileira de futebol, no gramado do Maracanã, comemorando a conquista da Copa América, em julho (3°).
O arsenal para cativar a audiência – e municiar os adversários – é vasto. Há desde vídeo em que o cantor Amado Batista oferece uma música à primeira-dama a discursos ferozes contra a esquerda (“o ambiente acadêmico, com o passar do tempo, vem sendo massacrado pela ideologia de esquerda que divide para conquistar e enaltece o socialismo e tripudia o capitalismo”, postou, no dia 11 de março).
As entrevistas à imprensa, nos últimos dois meses, ficaram mais frequentes. Nelas, pipocam declarações polêmicas como a do último dia 9, em que o presidente sugeriu a um repórter que fizesse cocô dia sim, dia não, para cuidar do meio ambiente. No dia seguinte, o termo “cocô” atingiu o pico de 100 pontos no Google Trends – o máximo a que tinha chegado, ao longo do ano, foi 42 pontos.
Jair Bolsonaro não esconde a antipatia ao que ele considera viés esquerdista de grande parte dos veículos de comunicação. No último dia 5, ao discursar na inauguração de uma usina fotovoltaica flutuante em Sobradinho (BA), bradou: “A imprensa tem que entender que a campanha acabou e que eu ganhei, p....!”, para depois se comparar ao personagem de desenho animado Johnny Bravo. Um dia depois, lá estava o termo “Johnny Bravo” no pico de 100 pontos dos Trends – o máximo que tinha atingido antes da declaração tinham sido quatro pontos.
A repercussão
"O que Bolsonaro fala causa impacto, seja positivo ou negativo. Mas falar para os seus é uma estratégia que apenas consegue abarcar uma parte do todo. E o todo é a opinião pública”, comenta o cientista político Adriano Oliveira. “Ele consegue pautar o debate. Não se abre um jornal sem que uma frase insignificante tenha gerado polêmica. Mais do que (o ex-presidente) Lula, Bolsonaro gera atenções negativas e positivas. Isso pode ser bom na perspectiva da pessoa pública, mas não é bom para o País”, comenta a escritora e doutora em Filosofia e ex-professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece) Catarina Rochamonte.
Para ela, o eterno clima de campanha fomentado pelo presidente não contribui para o andamento das pautas de que o País precisa, como as reformas e a recuperação da economia. “Quando a política se torna tediosa, é porque o País começou a melhorar. A nossa política gera tensão o tempo todo, é quase uma novela. E Bolsonaro acaba colocando mais lenha na fogueira”.
Rochamonte explica que a retórica inflamada de Jair Bolsonaro encontra no discurso da oposição o terreno mais fértil para florescer. “Hoje a esquerda ataca coisas que muitos brasileiros vêem como conquistas, como a (operação) Lava Jato. Isso gera resposta. Por outro lado, o presidente contribui para o acirramento, como, por exemplo, recebendo no Palácio a visita da viúva do (coronel do Exército e acusado de tortura durante a ditadura) Brilhante Ustra. é um clima de contenda que nunca acaba”.
Bolsonaro até que tentou focar em temas mais ligados ao governo. Entre fevereiro e abril, aumentaram em 59,8% nos tweets o número de citações relativas à gestão – de 67 para 112. No mês seguinte, despencaram 55,3% (de 112 para 62). Foi quando chegou ao ápice a crise envolvendo o filósofo paulista Olavo de Carvalho (tido como mentor intelectual da nova direita) e os militares do governo por espaços de poder.
No mesmo período, aumentaram as publicações de caráter político-ideológico e comportamental. Como em um tweet do dia 20 de maio: “Não fui eu que anulei o Legislativo comprando votos, não fui eu que tive em meu plano de governo o controle da mídia e da internet e fui eu quem levou uma facada de um militante de esquerda”.
Análise do cientista político
Para o cientista político Adriano Oliveira, apesar da atual forte influência – positiva e negativa – sobre o debate público, Bolsonaro pode vir a experimentar problemas de governabilidade caso a economia do País não decole e parte do grande percentual de desempregados não veja uma melhora no cenário. “O eleitor ideológico e fortemente antipetista vai continuar com ele, mas será minoria. O bolsonarismo é sustentado pelo antilulismo. Se o lulismo, de alguma forma, ressurgir, até por conta de uma eventual soltura do ex-presidente, a oposição pode ser fortalecida”.
Aonde, então, o discurso bélico do presidente poderia levar o País? “Essa aposta de Bolsonaro na polarização pode possibilitar o retorno da esquerda ao poder. Ele tem um discurso pouco diplomático, retoma questões absurdas, como a ditadura. Tudo isso dá munição para esquerda, que está com um discurso obsoleto. Era hora de surgir alguma coisa nova, mas ele aposta no acirramento e mantém pautas de campanha. Deveria deixar de focar na reeleição – o que é outro absurdo para quem acabou de começar a governar –, ter mais objetividade, tocar a ecomia, botar o país pra frente”, diz Catarina Rochamonte.