MEMÓRIA

O dilema entre anistia e punição a torturador

Depois da aprovação da Comissão da Verdade, a questão da punição aos torturadores vem à tona e coloca o governo em situação delicada diante de órgão da OEA

Paulo Augusto
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Paulo Augusto
Publicado em 04/12/2011 às 8:50
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A sanção da Comissão da Verdade por parte da presidente Dilma Rousseff, no mês passado, foi festejada por militantes dos direitos humanos e trouxe aos parentes de mortos e desaparecidos a esperança de que a verdade a respeito do que aconteceu com seus entes queridos venha à tona. Porém, um outro desejo de muitas vítimas de abusos cometidos durante o regime militar no País (1964-1985)  - o da punição por parte dos responsáveis pelos crimes - dificilmente será concretizado, uma vez que a Lei da Anistia, promulgada em 1979 pelo general João Baptista Figueiredo, então presidente da República, livra da punição todos os envolvidos em crimes políticos cometidos durante o regime de exceção.

Tal fato - passível de absoluta discussão - traz ainda um outro debate: como fica, então, a relação do governo brasileiro com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) - órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA) à qual o Brasil é signatário - diante dessa decisão, referendada ano passado pelo Supremo Tribunal Federal? No final de 2010, o Brasil já foi condenado pela Corte da CIDH por causa da Guerrilha do Araguaia e da Lei da Anistia,  o órgão considera "anistia a torturador" uma agressão aos direitos humanos e acusa o Estado brasileiro de não ter punido os responsáveis pelo desaparecimento de 62 pessoas no conflito do Araguaia, entre 1972 e 1974.

De acordo com o órgão da OEA, quando uma lei beneficia autores de crimes contra a humanidade, como a tortura e o desaparecimento forçado, entra-se em confronto com a Convenção Americana dos Direitos Humanos. Ou seja, para a CIDH, nenhuma lei de país signatário tem validade se violar os princípios da convenção. Como acontece com o Brasil.

Secretário Nacional de Justiça, Paulo Abrão acredita que tanto a leitura do governo brasileiro, com a Lei da Anistia, quanto a da Corte Interamericana são válidas e precisam, de algum modo, serem compatibilizadas, "o que deve ocorrer quando surgirem as primeiras ações de familiares desaparecidos e os juízes de primeira instância darem suas interpretações sobre a questão".

"Não é uma questão de 8 ou 80. A Corte não disse que o Brasil não pode conceder anistia, ao contrário, ela acha importante. O que ela diz é que um conjunto específico de crimes, os chamados crimes de lesa-humanidade, são imprescritíveis e não podem ser anistiados", diz Abrão.

Há uma expectativa de que a decisão do STF a respeito da Lei da Anistia seja revista. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) já entrou com um embargo e cobra do Supremo uma releitura da decisão. "Existe uma zona cinzenta que envolve os crimes de desaparecimento forçado. Essa é uma decisão para ser tomada pelo nosso judiciário", acredita.

Recentemente, a Corte Interamericana ordenou que o Uruguai anulasse a Lei da Caducidade, que em 1986 concedeu anistia a militares e policiais que violaram os direitos humanos durante o período de exceção no país. Em outubro deste ano, a Câmara dos Deputados uruguaia aprovou, em caráter definitivo, um projeto de lei que declara imprescritíveis os crimes cometidos durante a ditadura, que ocorreu entre 1973 e 1985.

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