O contraste na ocupação do Recife de hoje - uma coabitação de miséria e luxo - não é de agora. Vem da explosão, nas primeiras cinco décadas do século 20, do número de mocambos construídos para (des)abrigar os mais pobres que, em sua maioria, fugiam da extrema pobreza enfrentada no interior do Estado. A partir de 1930 o poder público lançou-se na missão de extirpar essas edificações. Sem cuidados, o morador do mocambo era tratado como um “delinquente social” pelas autoridades.
Como descreveu à época o sociólogo Josué de Castro, a estrutura do mocambo era precária e, dependendo do material usado na construção, pouco podia proteger o morador do clima quente da cidade ou das chuvas mais fortes. A maioria deles tinham paredes de barro batido, num engradado de ripas, formando a estrutura chamada “taipa”. O ritmo das construções deste tipo foi tão acelerado nas primeiras décadas do século passado que em 1939 eles representavam mais de 60% das edificações erguidas na cidade.
O motivo para esse crescimento estava diretamente ligado a crise da economia açucareira. Sem dinheiro, muito menos estudo, esse homem do campo não tinha onde se localizar e ia inicialmente para as áreas pantanosas. Porém, conta a urbanista Virgínia Pontual, esses mocambos acabaram incrustados em todo o Recife, possibilitando o que Josué de Castro definiu “como o ciclo do caranguejo”, em que a pessoa se alimenta do animal e o animal se desenvolve consumindo as fezes do homem.
No período de Antônio Novais como prefeito, com Agamenon Magalhães governador, foi que a luta pela retirada à força dos mocambos tomou corpo no intuito de levar os moradores para bairros mais periféricos. Porém essa mudança no cenário não foi possível apenas pela ação bruta das autoridades. Virgínia Pontual recorda que Pelópidas Silveira atuou no mesmo sentido de uma nova cara do Recife, mas usando a marca que o consagrou como gestor: a proximidade com a população.
“Enquanto Novais Filho proibiu que os moradores fizesses qualquer melhoria no mocambos, por exemplo, Pelópidas já seguia no caminho inverso, incentivando as reformas e a estruturação dessas edificações mesmo que o terreno não estivesse em nome da pessoa que o construiu”, afirma a pesquisadora, reforçando que, como um todo, a luta contra os mocambos serviu apenas para embelezar a cidade, e não para melhorar a qualidade de vida dos que viviam neles. Mas, como avalia Virgínia, com o crescimento da cidade moradias precárias continuaram a fazer parte do Recife de hoje, “que ainda não aprendeu com o passado que a falta de planejamento da cidade só empurra o problema para frente”.