Enquanto o impeachment do presidente Fernando Collor de Melo se desenrolava no Congresso Nacional, no Recife, uma divisão na esquerda viabilizaria um novo polo de poder. Aliados no retorno das eleições diretas, Jarbas Vasconcelos e Miguel Arraes romperam politicamente na campanha municipal de 1992. Era o primeiro passo do movimento que levaria o peemedebista a firmar, quatro anos depois, uma aliança com os adversários históricos do então PFL.
O sucesso da esquerda no Pernambuco pós-redemocratização, com as vitórias de Jarbas para prefeito do Recife em 1985 e de Miguel Arraes para governador em 1986, não demorou a refluir. Em 1988, Joaquim Francisco voltou pelas urnas a comandar o Recife. Dois anos depois, ele se tornaria governador, derrotando Jarbas. Naquela eleição, Arraes foi recordista de votos para deputado federal, numa chapinha do PSB, puxando vários deputados. O PMDB, que tinha chapa própria, viu muitos de seus deputados próprios ficarem de fora do Congresso.
O atrito entre as duas legendas viraria rompimento na eleição de 1992, quando Arraes tentou fazer do neto Eduardo Campos o vice de Jarbas, o que não foi aceito pelo peemedebista. “Como não tinha reeleição, Arraes estava automaticamente indicando o sucessor dele. Foi isso o que Jarbas não quis”, conta o jornalista Evaldo Costa. Em reação, Arraes, que havia ajudado a eleger Jarbas em 1985, decidiu ter Eduardo como candidato a prefeito. “PDT, PCdoB e PCB ficaram com Eduardo. Isso manteve a esquerda com Arraes e, de certa forma, deixava Jarbas isolado. Tirava Jarbas do habitat em que ele havia feito campanha a vida toda”, avalia Evaldo.
Em 1992, as urnas mostraram um Jarbas Vasconcelos imbatível no Recife frente a novatos como Eduardo, André de Paula (PFL, hoje PSD) e Humberto Costa (PT). O peemedebista e Arraes nunca mais estiveram do mesmo lado na política. “Estávamos todos juntos em 90. Quando Arraes lançou Eduardo, já havia o estremecimento e começou uma dificuldade grande. E houve a divisão”, explica João Braga, que foi uma espécie de supersecretário da gestão Jarbas.
NASCEDOURO DA UNIÃO POR PERNAMBUCO
No ano seguinte, o deputado federal José Mendonça reuniu o prefeito do Recife e a cúpula do PFL estadual em sua fazenda, na cidade de Belo Jardim, num jantar que se tornaria emblemático.
Adversários históricos desde os tempos da ditadura, peemedebistas e pefelistas começam a falar a mesma língua.
Em 1994, contra Arraes, Jarbas apoiou a campanha a governador de Gustavo Krause e a presidencial de Fernando Henrique Cardoso, que tinha Marco Maciel na vice. Vitorioso, o socialista subiu pela terceira vez as escadarias do Palácio do Campo das Princesas. A dois quilômetros dali, do edifício-sede da prefeitura, Jarbas lideraria a dura oposição no Estado.
SECRETÁRIO DAS "MIL OBRAS" PRETERIDO NA DISPUTA
Nas eleições de 1996, a primeira com urnas eletrônicas, o pragmatismo eleitoral falou mais alto no momento em que Jarbas Vasconcelos (PMDB) apoiou Roberto Magalhães (PFL, hoje DEM) para Prefeitura do Recife e preteriu o seu secretário João Braga. O apoio do grupo jarbista a Magalhães selou a União por Pernambuco, aliança político-partidária germinada dois anos antes quando o PMDB endossou o nome de Fernando Henrique Cardoso e Marco Maciel para a chapa à Presidência.
Na época (1993/1996), Braga era Secretário Municipal de Infraestrutura e conhecido por encampar pelejas ferrenhas para realizar as ações do governo. Uma das mais emblemáticas foi a briga com os camelôs, período em que coordenou as revitalizações dos Bairros de São José e do Recife – obra pensada já na primeira gestão de Jarbas (1986-1988). Ao lado do aliado, Jarbas construiu a Ponte Gilberto Freire (Imbiribeira) e o Viaduto Ulisses Guimarães (Avenida Recife).
Antes de assumir a pasta, Braga ainda coordenou as duas campanhas de Jarbas à prefeitura, em 1985 e 1992. Conhecido como “secretário das mil obras”, o titular acalentava a expectativa de ser o indicado para sucessão, o que não se concretizou. À revelia do apoio, Braga deixou o PMDB, filiou-se ao PSDB e entrou na disputa. O gesto abriu dissidência na ala jarbista. Uma parte do grupo seguiu o prefeito e outra o secretário, que figurou como principal opositor da aliança PMDB-PFL.
“Estávamos bem, o governo era bem avaliado e a secretaria coordenou todas as ações. Havia entre nós a expectativa que alguns daqueles auxiliares fossem o candidato a prefeito. Aí por motivos que não me interessam enumerar, Jarbas decidiu apoiar Roberto Magalhães, que, no fundo, era adversário há muito tempo, e nós ficamos insatisfeitos. Então, deixei a prefeitura e fui ser candidato”, conta Braga, 20 anos depois do episódio.
“Foi pragmatismo puro. Braga queria ser candidato a prefeito, mas não tinha voto. Ele era um super-secretário, mas na época mandei fazer pesquisas e Roberto Magalhães tinha 30-34%, chegou a 37%, e Braga não saia dos 3% ou 4%”, recorda Jarbas.
Duas décadas depois, o hoje deputado conta que repetiria o mesmo roteiro. “O que me interessava na prefeitura naquele momento era manter aquilo que havia sido aprovado. Era uma gestão aprovada de Boa Viagem a Beberibe e Casa Amarela. Então era manter isso e eu achava que Roberto Magalhães tinha experiência de governador”, justifica.
Magalhães saiu vitorioso das urnas com 317.625 votos (50,9%), mais que a soma dos votos recebidos por todos os outros candidatos. Braga obteve 119.539 (19%). Separados por um tempo, Jarbas e Braga se reaproximaram anos depois, quando ele assumiu a Secretaria estadual de Defesa Social.