Dilma Rousseff (PT) tem uma biografia repleta de simbolismos. Foi presa e torturada no período da ditadura militar e décadas depois tornou-se a primeira mulher a ocupar a Presidência da República no Brasil. Também foi a primeira mulher a fazer o discurso de abertura da Assembleia das Organizações das Nações Unidas (ONU), em 2011. No início de sua gestão, alcançou 56% de aprovação popular, um índice superior ao de Lula (PT) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB) no começo de seus mandatos. Essas referências, porém, tendem a ser ofuscadas pelo fato de Dilma ter sido destituída do cargo máximo político do País por meio de um impeachment.
Eleita em 2010, Dilma pavimentou o caminho até a vitória com a ajuda de Lula. O ex-presidente, que se referia à aliada como a “Mãe do PAC”, em alusão ao Programa de Aceleração do Crescimento, considerado um carro-chefe do seu bem-sucedido segundo mandato, apresentou a petista como uma gerente competente em transformar projetos em realidade.
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O início do governo Dilma foi marcado por denúncias de corrupção de alguns ministros. A petista agiu rápido e demitiu os auxiliares. Essa faxina ética teve ressonância popular imediata comprovada nas pesquisas de opinião. “Havia uma expectativa de que ela seria imbatível na luta contra a corrupção”, destaca Juliano Domingues, cientista político da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap).
Para outros analistas, apesar da aprovação popular, Dilma tropeçou na inexperiência política e afundou a própria gestão ano após ano. “Ela foi uma presidente sem liderança, que não recebia políticos e não tinha paciência para conversar. Isso colidiu com o Congresso, que é uma casa política”, avalia Márcio Coimbra, coordenador do MBA de Relações Institucionais do Ibmec.
O coordenador do Laboratório de Política e Governo da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Milton Lahuerta, reforça a ideia de que a falta de jogo de cintura de Dilma junto ao Congresso gerou problemas. “Ela tinha uma profunda aversão pela política parlamentar e houve uma erosão em sua base ainda no primeiro mandato porque Dilma não tinha as condições básicas para exercer a presidência”, aponta.
Juliano Domingues vê o insucesso da gestão Dilma de uma forma mais complexa. “A queda da aprovação pode ser creditada a uma combinação de fatores políticos e econômicos. Eles dizem respeito, principalmente, ao fim do chamado superciclo das commodities, decisões de controle fiscal tomadas que se mostraram equivocadas e à conturbada relação com o Legislativo”, avalia.
Em 2013, quando Dilma acumulava dois anos à frente da Presidência da República, o Brasil foi tomado por uma série de protestos. A petista não era o alvo principal das manifestações, ao contrário do que ocorreu em 2015 e este ano. “Os grupos que iam às ruas em 2013 não gritavam ‘Fora, Dilma’. Era para ela ter dado respostas mais imediatas, mas não conseguiu fazer uma leitura mais clara das manifestações”, diz o cientista político Uribam Xavier, da Universidade Federal do Ceará (UFC).
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Em 2014, Dilma tentou a reeleição e venceu, mas assumiu o segundo mandato com um País bastante dividido. Pressionada pelos opositores, também foi cobrada por aliados e eleitores por não colocar em prática as promessas de campanha. “Dilma sinalizou que não implementaria uma agenda neoliberal, mas quebrou o pacto com o povo”, enfatiza Uribam Xavier.
Some-se a esse cenário a briga com o deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que se tornou presidente da Câmara dos Deputados em 2015, e os desdobramentos da Operação Lava Jato. A investigação, iniciada em 2014, não impediu a reeleição de Dilma, mas contribuiu para reduzir a popularidade da presidente nos anos seguintes. Em 2015, as manifestações contra a petista se intensificaram nas ruas e por meio dos chamados panelaços.
“O segundo governo se iniciou em um cenário bastante conturbado e foi resultado de uma campanha eleitoral bastante acirrada. Os cenários econômico e político se degradaram gradualmente e os desdobramentos da Lava Jato minaram ainda mais a imagem de um governo limpo. Combinados, esses fatores acabaram por gerar um contexto bem desfavorável à manutenção do governo”, explica Juliano Domingues.
ARTICULAÇÃO
Sem interlocução com o Congresso, Dilma apelou para que o vice-presidente Michel Temer (PMDB) assumisse a articulação política do governo. Meses depois, os dois estariam rompidos e cresceriam as movimentações em torno da instalação de um processo de impeachment, rotulado de golpe pelos aliados da petista. “Houve uma derrubada feia da presidente. Não há elementos jurídicos para o afastamento de Dilma. Não há golpe apenas com as Forças Armadas”, afirma Francisco Queiroz, diretor da Faculdade de Direito do Recife, que subscreveu, junto a outros juristas, um documento em defesa de Dilma.
Líder do governo Dilma no Senado, Humberto Costa (PT) diz que a história fará justiça à aliada. “Fica a imagem do golpe. Mesmo pessoas que eram contrárias ao governo entendem que houve um processo injusto e maculado por uma carga política. A oposição, a grande mídia e setores do Judiciário desestabilizaram o governo e fizeram uma sabotagem permanente”, relata.
O cientista político Uribam Xavier discorda do senador. “Essa tese de golpe vai ficar na memória de algumas pessoas, mas do ponto de visto da história não vai prevalecer”, assegura. Milton Lahuerta, da Unesp, tem uma visão ainda mais crítica. “Dilma jamais poderia ter sido presidente. Ela entrou pequena e sai menor”, ressalta.
Para o cientista político Juliano Domingues, foi um final melancólico. “Dilma sai menor do que entrou. Os números relativos à percepção da opinião pública indicam isso muito claramente. O processo de impeachment formaliza o sepultamento de um governo que já se apresentava, há algum tempo, em avançado estado de decomposição política”, crava.