Furar fila no cinema, avançar sinal vermelho, tentar negociar com guardas de trânsito para evitar infrações. As cenas parecem corriqueiras, até mesmo banais, mas encobrem transgressões a normas estabelecidas que formam um mosaico de corrupções diárias, naturalmente incorporadas ao nosso cotidiano. Os desdobramentos da Operação Lava Jato trouxeram à tona, justamente, a reflexão sobre o ato de corromper ou ser corrompido. Cada qual no seu ambiente, políticos ou cidadãos comuns dão os “jeitinhos” para obter vantagens. Esse foi o perfil encontrado no levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisas Uninassau, divulgado pelo JC em parceria com o Portal Leia Já.
A pesquisa revela que comportamentos corruptos cometidos por pessoas comuns são mais corriqueiros do que se pensa, apesar de a maioria ter consciência do erro e se mostrar contra a prática. O trânsito é o terreno mais fértil para os desvios. Mais da metade dos motoristas afirmam que arrumam maneiras para escapar de punições, como ser pego sem carteira de motorista. Somente 34% dizem que aceitam a multa sem hesitação, outros 43,3% pedem compreensão ao agente de trânsito e 15,9% vão ainda mais longe e acionam “alguém importante” para escapar da punição. Percentuais semelhantes aparecem entre os condutores que param em locais proibidos.
À frente da pesquisa, o cientista político Adriano Oliveira, professor da UFPE, delimita bem o espaço do que é considerado corrupção. “É tudo aquilo que transgride uma norma social ou jurídica”, explica. “As pessoas não entendem esse jeito como corrupção e não se consideram parte dela”, grifa. Em resumo, diz ele, há muita hipocrisia.
Saindo do trânsito e entrando na relação política, o comportamento paternalista ainda impera na resposta dos recifenses. Se nas classes baixas, a troca do voto por itens básicos ainda é realidade; em estratos mais altos da sociedade a troca inclui, por exemplo, cargos comissionados.
VENDA DE VOTO
Um dos pontos da pesquisa trata da venda de voto em troca de emprego e 40,7% dos entrevistados disseram que votariam no político em troca do favor e 33,2% disseram que não. Somente 5,3% falaram em denunciá-lo. O cientista político pontua que o percentual pode ser ainda maior do que o descrito. É o chamado “voto silencioso”, em que a pessoa tem vergonha de declarar como realmente pensa.
Questões como receber sem trabalhar e pagar para passar em concurso público também entraram no rol do levantamento. Na pergunta, “se um amigo lhe oferecer, por R$ 10 mil, a aprovação em um concurso público com salário de R$ 5 mil mensais”, 54,9% disseram que não aceitam de jeito nenhum. Mas 25,5 afirmam que vão pensar e 8,7% aceitam de imediato.
Apesar de muitos afirmarem que cometem os atos transgressores, a maioria acachapante tem consciência da atitude errada. Um dos exemplos é o ato de furar fila. Em 63,9% das respostas, os entrevistados afirmam que o gesto é corrupção, enquanto o mesmo percentual respondeu que, se encontrarem um amigo na fila do cinema, pediriam para comprar a entrada.
A linha tênue entre a teoria e a prática permeia a vida do motorista de ônibus Carlos Francisco, 50 anos. Consciente de que no dia a dia comete alguns atos de infrações, ele revela que acha “horrível”, mas que em certas situações precisa recorrer ao que ele traduziu como “jeitinho brasileiro”. “Não vou ser hipócrita, eu faço também, mas acho que isso faz parte da cultura do brasileiro. O querer tirar vantagem de tudo”, justifica. Questionado se a corrupção do dia a dia poderia ser medida na mesma balança das corrupções no meio político, ele pontua que é as infrações cometidas por cidadãos comuns são menores e não atingem tanto à sociedade.
Segundo Adriano, a corrupção no meio político está intrinsicamente ligada ao comportamento da sociedade. O professor explicou que o objetivo da pesquisa era entender a corrupção na prática e não no caráter normativo.