PRIVATIZAÇÃO

A privatização da Eletrobras e Chesf, segundo o presidente da estatal

O presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Júnior, fala sobre a privatização da estatal em entrevista ao Jornal do Commercio

Ângela Fernanda Belfort
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Ângela Fernanda Belfort
Publicado em 17/12/2017 às 15:06
Divulgação/Eletrobras
Wilson Ferreira Júnior - FOTO: Divulgação/Eletrobras
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O presidente da Eletrobras, o engenheiro Wilson Ferreira Junior, prefere chamar “de democratização do capital da Eletrobras” o processo de privatização da estatal que é a grande holding do setor elétrico e dona da Chesf. Há 38 anos atuando nessa área, ele explica porque defende o novo modelo numa entrevista exclusiva concedida a repórter Angela Fernanda Belfort.

JORNAL DO COMMERCIO – O Sr. foi um dos primeiros do governo a dizer que a privatização da Eletrobras ocorrerá entre setembro e novembro de 2018, quando vai ocorrer a eleição presidencial e dos governadores. Como um processo tão delicado e polêmico vai ter o seu desfecho justamente no período eleitoral?

WILSON FERREIRA JÚNIOR – Primeiro, o termo privatização não é usado de forma correta para o tipo de operação que estamos fazendo. É uma operação de aumento de capital da Eletrobras por emissão de novas ações. Estamos atraindo recursos do mercado de ações para um conjunto de novas ações que vão gerar recursos para termos o direito de comprar os novos contratos de concessões de todas as usinas, como por exemplo as que a Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf) tem no Nordeste brasileiro. Essas usinas que a Chesf têm são cotizadas e geram um enorme prejuízo à Chesf e estão trazendo prejuízos aos consumidores. O modelo do setor elétrico está alterando esse tipo de contrato, passando para contratos de produção independente de energia. Para que essa alteração seja feita, é necessário pagar por esse direito.

JC – Esse direito é a outorga?
W.F.J – É a outorga de uma concessão de produtor independente para cada uma das usinas. É o aumento de capital pelo aumento do número de ações. Essas ações vão ser colocadas em bolsas e serão compradas por investidores institucionais, pessoas físicas, fundos emergentes, etc. Eu falei do prazo entre agosto e comecinho de dezembro, porque para fazer uma operação de aumento de capital de companhias abertas se usa o balanço do trimestre anterior. Então, se usa o balanço do segundo trimestre da companhia para uma emissão de capital que acontece em meados de agosto e setembro. São utilizados os dados do terceiro trimestre para emissões entre meados de novembro e dezembro. Como lhe falei, os processos de emissões de novas ações de companhias abertas ocorrem seguindo o cronograma dos ITRs, que podem ser divulgados até 15 de agosto, os do segundo trimestre, e até 15 de novembro, os do terceiro trimestre. Também é preciso fazer isso num momento em que os investidores estão com disposição e presente para avaliar essas ofertas, porque o mercado de capitais também entra em férias.

JC – E como será essa mudança de usina cotizada para produtora independente de energia?

W.F.J. – A Chesf detém a maior parte das usinas que foram cotizadas. Isso faz com que a Chesf receba muito pouco por operá-las. E, infelizmente, por serem usinas de cotas repassam para o consumidor o risco hidrológico que se vê na tarifação das bandeiras tarifárias. Então, todas as usinas cotizadas que produzem a energia a R$ 35 o megawatt-hora repassam uma conta de R$ 180 pelo megawatt-hora do risco hidrológico nas bandeiras tarifárias, que nos últimos três meses custou em média R$ 180. Hoje, o consumidor paga pela energia de cota R$ 35 e nas bandeiras tarifárias mais R$ 180, saindo por R$ 215. Nem a Chesf ganha nem o consumidor ganha. Num regime de produção independente de energia, o preço é fixo e deve ficar na casa dos R$ 150 pelo megawatt-hora e o gerador vai bancar o risco hidrológico. Ele vai conseguir vender em prazos diferentes e para diversos consumidores, tendo uma flexibilidade que o operador de cotas não tem, incluindo o mercado livre que atualmente responde por cerca de 1/3 do mercado consumidor. A possibilidade dele gerenciar o risco hidrológico é maior do que o operador de cotas. Esse risco hidrológico não significa que não possa ser maior no futuro. E é esse risco hidrológico que o governo está querendo reduzir.

JC – E como isso vai ser feito?

W.F.J. –Tanto o processo de democratização do capital da Eletrobras tanto a outorga para a produção independente passarão a ser discutidos no Congresso Nacional a partir de agora. O objetivo é ter uma conta menor. A alternativa a isso não é fácil. Não é fácil a descotização, nem a privatização. A intenção é privatizar cada usina. Fazer a descotização pela Eletrobras é uma vantagem.

JC – Ainda não entendi como a energia vai ficar mais barata para o consumidor nessa lógica de venda das ações e da descotização. E vai haver uma mudança porque uma parte dessa energia é vendida atualmente por R$ 35 e vai passar a ser vendida por R$ 150 (o megawatt-hora)...

W.F.J – Uma parte era vendida por R$ 35 mais o risco hidrológico...

JC – E quando não tiver mais o risco hidrológico?

W.F.J. – Pois é, mas acontece que faz quatro anos que a gente está conversando e o risco hidrológico começou em zero e já chegou a R$ 200. Em 2012, as usinas vendiam a R$ 110 o MWh e caiu para R$ 35 por causa da cota. Isso fez a conta reduzir, em média, 16%. As bandeiras não existiam ainda, mas foram criadas depois por causa do risco hidrológico, aplicado na conta quando chove menos e as térmicas são acionadas. Em 2014 e 2015, os valores do risco hidrológico que não foram pagos pelos consumidores foram financiados. Foi feito um empréstimo e depois a bandeira tarifária. Acredito que o impacto será menor nesse novo modelo.

SÃO FRANCISCO

JC – E como será o tratamento dado ao Rio São Francisco?

W.F.J. – Essa é a parte boa. O Rio São Francisco é o único que teve dificuldade de administrar as saídas clandestinas de água, as matas ciliares, os pontos de irrigação e também pelo aquecimento global que diminuiu o seu volume. É necessário investir no rio para resgatar o volume de água. Para isso, precisa dinheiro. É um rio muito importante e está sofrendo com a falta de investimento. Atualmente, a própria cota não dá receita para investir no rio. Com esse projeto, haverá uma obrigação de investir em torno de R$ 350 milhões, anualmente, por 30 anos. Hoje não é investido quase nada nesse sentido. É muito dinheiro.

JC – E a única hidrelétrica que pertence à Chesf, a de Sobradinho, ficará como? Ela continuará fornecendo energia a um preço mais barato para as grandes indústrias?

W.F.J. – Sim. Várias indústrias foram para o Nordeste porque havia energia mais barata. E aí, na época, o poder central decidiu manter a energia mais barata para essas empresas.

JC – O que leva o Sr. a acreditar que uma empresa privada vai comprar ações de uma estatal como a Chesf que está produzindo cerca de 10% da sua capacidade de geração devido à falta de água?

W.F.J. –Esse processo vai gerar recursos para serem investidos no Rio São Francisco. A Chesf hoje não produz porque não tem água. Os recursos vão resultar em mais água, mais energia e é por isso que as empresas devem ter interesse nesse processo. Várias coisas me fazem acreditar que esse modelo, de uma maneira geral, vai dar certo. As empresas de energia que têm o capital pulverizado são hoje as maiores do mundo. A dona de Jirau (hidrelétrica) é uma empresa que tem essa característica. Aí no Nordeste, estão sendo implantados vários parques eólicos da Eneel, uma corporação italiana. Esse é o formato que mais cresce no mundo. No Brasil, teve a transformação da Vale numa corporação desse tipo. A Vale hoje é uma corporação com ações pulverizadas. Isso faz a empresa se voltar para o mercado, os acionistas, para não gerar benefícios a um nem a outro. A finalidade de uma companhia não deve ser só o lucro, mas tratar bem das usinas, dos funcionários, das pessoas com equidade. E ser sustentável. A Vale se transformou nisso. A Embraer também se transformou nisso. É um jeito de compartilhar estratégias. Não tenho dúvida que esse será um modelo vencedor. São concessões que podem ser exploradas por 30 anos com objetivos de longo prazo.

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