Às vésperas do julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula, o professor “olindense” Joaquim Falcão critica a lentidão do Supremo Tribunal Federal (STF) e diz que a incerteza decisória daquela corte é uma das maiores responsáveis pela insegurança jurídica da sociedade. Ele é um dos maiores especialistas em STF. Entre 2005 e 2009, foi conselheiro do Conselho Nacional de Justiça e leciona na FGV Rio, instituição da qual foi diretor de 2002 até 2017. Na semana passada, concedeu essa entrevista a Angela Fernanda Belfort.
JORNAL DO COMMERCIO – Por que o Sr. tem criticado a gestão da ministra Cármen Lucia à frente do STF?
JOAQUIM FALCÃO – Uma das propostas da Cármen Lucia, quando iniciou, era agilizar a pauta do Supremo, tornar o Supremo mais eficiente. Os estudos feitos até o final do ano passado mostram que, em cada 100 processos que a Presidência colocou em pauta, menos de 30 são julgados. Ou seja, 70% não chegam a uma conclusão, por diversos motivos. Então, para um supremo engarrafado, com cerca 50 mil processos parados, se julga menos de 30%... É como se fosse uma fábrica que só conclui 30% dos produtos que começa a fazer. Então, claro que há um problema. Menos de 30% são julgados definitivamente. O resto é acumulado por motivos diversos. Ou seja, não se consegue chegar a uma decisão final...
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JC – E como era o STF nas gestões anteriores?
JOAQUIM – É uma tendência que vem se acumulando e vem de longe. Mas essa era uma das metas da Cármen Lúcia na Presidência do STF. E vão se acumulando de longe por causa da intensificação da briga interna dentro do Supremo. É difícil chegar a consensos e até mesmo a um final de votação, sendo que essa situação é agravada porque, como vimos agora, os ministros têm que sair às 18h para fazerem outros assuntos que eles consideram prioritários: viajar, dar palestras, conferências. Ora, para o Brasil, o prioritário é que o ministro julgue...
JC – O Sr. já disse que o STF decide tarde e de forma imprevisível. Quais as consequências disso para o País?
JOAQUIM – A questão é a seguinte: o País precisa que o Supremo lhe assegure uma estabilidade, que o cidadão saiba o que é o certo e o errado; o justo e o injusto. Quando o Supremo demora dez anos para julgar um plano econômico envolvendo as poupanças dos cidadãos ou quando o Supremo até agora não conseguiu julgar definitivamente ninguém relacionado à Lava Jato, cria-se uma incerteza, uma insegurança na sociedade. Essa insegurança é fruto da incerteza decisória do Supremo. Vou dar alguns exemplos: quando está julgando se o auxílio moradia deve ser pago ou não, e o Supremo não decide, cria um ambiente incerto. Não se sabe o prazo que ele vai decidir, os passos que vai dar. Então, é a incerteza do processo decisório. Agora, quando se esperava que o auxílio moradia fosse resolvido, na semana passada, o Supremo manda para a mediação do Poder Executivo. Ora, isso cria uma incerteza orçamentária muito grande porque o tesouro nacional fica pagando. E se mais tarde isso for decidido que é inconstitucional? Vão devolver? A incerteza decisória do Supremo hoje em dia é um dos maiores responsáveis pela insegurança jurídica da sociedade.
JC – Sobre a análise do habeas corpus preventivo do ex-presidente Lula, que voltará a ser julgado pelo STF na próxima quarta-feira. Caso o STF acate esse habeas corpus, quem mais pode ser beneficiado por estar numa situação similar?
JUDICIÁRIO
JOAQUIM –O que nós estamos vendo é o seguinte. O Supremo não tem dados necessários para avaliar as consequências de uma decisão dele. O STF não tem dados que digam quantas pessoas serão afetadas, no Brasil inteiro, por suas decisões. O Supremo parece que é um avião que levantou voo, mas não sabe onde vai pousar. Ele não tem bancos de dados, informações quantitativas sobre as consequências de suas decisões dentro do judiciário. E isso faz com que os juízes de primeira instância fiquem inseguros, criando uma espécie de conflito dentro do judiciário, porque as decisões (do Judiciário) não são claras. Esse aparente caos de juízes decidindo contraditoriamente é fruto da falta de clareza, de lideranças e das brigas do Supremo.
JC – No mundo, como é a prisão em segunda instância?
JOAQUIM –O que está em jogo é o que se chama devido processo legal. Na democracia, você perde sua liberdade, vai preso, mas tem o direito de se defender o máximo possível. A questão é o que é esse máximo. No mundo inteiro, é suficiente ter uma condenação na primeira instância e uma condenação por um órgão colegiado. Isto é suficiente pra assegurar o direito de defesa. O direito de defesa não é eterno. Porque, se ele for eterno, não existirá nunca a condenação ou a absolvição. Para a democracia, o que é suficiente, no mundo inteiro, é a liberdade de defesa na primeira instância e liberdade do contraditório na segunda instância. Dos 194 países da Organização das Nações Unidas (ONU), em 193 há prisão em segunda instância. O Brasil é um ponto fora da curva. E o resultado disso é a impunidade, porque os processos não acabam nunca. O maior estímulo para a impunidade hoje é a lentidão do judiciário.
JC – O Sr. disse temer que os três poderes sejam apropriados pelo mesmo grupo político. O que o Sr. quis dizer com isso?
JOAQUIM –Formalmente, temos três poderes independentes, como manda a Constituição. Mas, politicamente, não há os três poderes independentes. Há somente uma classe política e social que comanda os três poderes.
JC – E por que o Sr. diz que há uma judicialização das eleições?
JOAQUIM – No Recife, houve uma tomada à força do diretório regional do MDB, querendo que um dos fundadores do MDB, Jarbas Vasconcelos (deputado federal), perca o seu cargo no grito. Aí tem que ir pra Justiça para que a Justiça seja feita. Ou seja, provavelmente, até agosto, não se sabe quem são os candidatos em vários Estados e até para à Presidência. Essa judicialização é o que estamos vivendo.