De 2016 até 2018, o ex-diretor administrativo-financeiro Rodrigo Cabral de Oliveira desviou R$ 2,2 milhões do Hospital Metropolitano Norte Miguel Arraes de Alencar (HMA), com a ajuda do amigo de infância Ricardo Souza e da esposa Viviane Baptista, uma gerente de loja que aliciou seus subalternos a atuarem como laranjas, aponta uma denúncia do Ministério Público de Pernambuco, que instaurou um inquérito para apurar os fatos.
O volume de recursos supostamente desviados num período de dois anos acendeu o sinal de alerta nos órgãos de controle do Estado sobre a qualidade da fiscalização dos recursos administrados pelas Organizações Sociais. As chamadas OSs são entidades privadas parceiras do Estado na administração de unidades de saúde. Se tornaram uma marca da gestão do PSB na área desde a época do ex-governador Eduardo Campos, que ampliou, assim, a rede de atendimento com UPAs, UPAEs e hospitais regionais, a exemplo do HMA em Paulista, administrado pela Imip Hospitalar.
O MPPE não encontrou indícios de que o esquema descoberto no HMA possa ter paralelos em outras entidades, mas a ampliação da investigação está no radar. “No interrogatório de Rodrigo, ele dizia que tinha muita coisa errada lá dentro. Eu o estou intimando a prestar declarações, se ele quiser fazer colaboração, contar algo, às vezes pode ter diminuição de pena”, diz o promomotor de Justiça Fernando Falcão, responsável pelo inquérito civil.
Em representação emitida na semana passada, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) colocou à Secretaria de Saúde que os desvios apurados no HMA, um dos maiores hospitais do Estado, poderiam esta ocorrendo em outras unidade de saúde. O relator do processo no TCE, Carlos Porto, determinou prazo de 30 dias para o secretário André Longo mostrar quais as providências estão sendo adotadas para melhorar o controle da “Secretaria sobre tais organizações”.
“Temos uma preocupação de que esteja ocorrendo um descontrole nos recurso administrados pelas OSs e pela secretaria que deveria fazer o controle permanente desses recursos”, diz o procurador do Ministério Público de Contas, (MPCO), Cristiano Pimentel. Ele lembra que o próprio TCE já apontou em relatórios que as OSs recebem mais dinheiro que a rede própria do Estado. “É uma verba alta, acima de R$ 1 bilhã por ano e é crescente. Inclusive, as OSs recebem mais dinheiro da Saúde que a rede própria do Estado. Há a necessidade que a Secretaria de Saúde faça o controle para manter o sistema”, disse Pimentel. “Vamos aguardar os 30 dias de prazo para a Secretaria responder quais serão suas medidas concretas.”
A deputada de oposição Priscila Krause (DEM) avalia que possa haver um problema estrutural no controle dos gastos das OSs. “O caso chama atenção para um cois amais estrutural que é a falta de controle sobre os gastos das Organizações Sociais. A gente sempre teve dificuldade de acompanhar os gastos dessas OSs. A própria sindicância do Imip e o inquérito do MPPE chegam à con˜clusão de que procedimentos precisam ser revistos e maior controle precisam ser adotados. A partir disso o TCE emitiu alerta para que sejam tomadas procedimentos que tragam transparências nesses contratos. A parcria entre o Estado e o terceiro setor só pode ser fortaliecida com transparência.” Citando números do Ministério Público Federal, Priscila diz que os gastos são crescentes. “Cresceu o número de OSs que prestam serviço. em 2010 esse gasto era de R$ 144 milhões em em 2017 chegou a R$ 1,2 bilhão.”
Por meio de nota, a Secretaria de Saúde informa que “as unidades geridas por OSs são fiscalizadas sistematicamente por uma equipe composta por 35 profissionais”. Sobre o inquérito, a SES informa que “as irregularidades, que estão sendo apuradas, foram descobertas e encaminhadas aos órgãos de investigação pela própria unidade de saúde, que abriu uma sindicância interna para apurar os fatos. Durante esta sindicância, o funcionário acusado pelo desvio dos recursos foi prontamente afastado de suas funções.” A SES informa ainda que “serão feitos os descontos nos repasses à unidade para reaver o montante apontado, sem prejuízo aos bens públicos e ao atendimento aos usuários do SUS”. Também por nota o IMIP disse que “a direção do HMA está tomando todas as providências necessárias para buscar o ressarcimento dos danos financeiros causados ao hospital”.
DEFESA E ACUSAÇÃO
Para Gervásio Lacerda, advogado do casal Rodrigo e Viviane, a denúncia apresentada pelo MPPE no dia 17 não apresenta provas de atos ilícitos. “O que eles têm é uma sindicância da própria instituição que se diz prejudicada (Imip) e um inquérito policial que foi feito em um mês, um tempo recorde para um assunto complexo. O MPPE diz que ele desviou dinheiro e não tem materialidade comprovada, tanto que só agora foi pedida a quebra de sigilo fiscal e bancário. É tudo muito frágil e a defesa está tranquila, tanto que conseguimos a reversão do pedido de prisão preventiva no Trubunal de Justiça”, disse o advogado.
Ele se refere à decisão do desembargador Fausto Campos, que no dia 31 concedeu liminar em habeas corpus preventivo a Rodrigo Cabral de Oliveira e Viviane Gelli Baptista, negando o pedido do MPPE e determinando medidas cautelares, como apresentação ao juiz que acompanha o caso, entregando os passaportes e proibição de manter contato com com as testemunhas do caso, tudo já devidamente atendido, segundo o advogado.
Segundo o promotor de Justiça Fernando Falcão, o inquérito teve início após uma auditoria do Ministério Público Federal (MPT) identificar uma grande quantidade de “pagamentos suspeitos” de serviços concentrados em seis prestadores, algo em torno de R$ 80 mil por mês, para consertos de ar-condicionado e mobiliário do hospital. Ao encaminhar a auditoria ao Imip, uma funcionária subalterna de Rodrigo alegou que os pagamentos realmente eram suspeitos. “Em setembro, quando a direção chamou Rodrigo para dar explicações, ele pediu demissão”, relata Falcão. Os prestadores de serviço também foram chamados, não foram reconhecidos por ninguém do hospital, e também declararam que nunca prestaram serviço no HMA. “Cinco deles era funcionários de Viviane numa loja de shopping. Alegaram que recebiam o valor nas suas contas e depois transferiam. Rodrigo dizia para eles que era um valor que ele tinha a receber do IMIP e fazia isso para não pagar imposto”, disse. O sexto laranja é o amigo de Rodrigo, Ricardo, que também é investigado. Os outros são testemunhas.
Com essas informações, a comissão de sindicância do Imip encaminhou as informações para a Polícia Civil, que abriu o inquérito criminal e repassou o inquérito cível para o MPPE. O MPPE espera agora a quebra de sigilo dos investigados para dar continuidade às investigações. O pedido leva até 90 dias para ser atendido pela Justiça.
Segundo o promotor, Rodrigo pedia serviços e ele mesmo autorizava o pagamento sem juntar comprovantes. Ele teria usado a senha de outro funcionário para autorizar os pagamentos. “Documentalmente o controle do HMA está todo frouxo”, afirmou. Caso condenados, os investigados terão de pagar multa, ressarcir o dinheiro desviado e podem pegar ´de seis a 36 anos de prisão por peculato e associação criminosa.