CONTRASTES

Desigualdade aumenta com a crise, diz estudo da FGV

A crise econômica provocou aumento da desigualdade. Os grupos que lideraram a perda da renda foram os jovens de 20 a 24 anos e as pessoas sem instrução

Ângela Fernanda Belfort
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Ângela Fernanda Belfort
Publicado em 15/09/2019 às 7:01
Foto:Felipe Ribeiro/JC Imagem
A crise econômica provocou aumento da desigualdade. Os grupos que lideraram a perda da renda foram os jovens de 20 a 24 anos e as pessoas sem instrução - FOTO: Foto:Felipe Ribeiro/JC Imagem
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A comerciante Janete Domerinda da Silva, o ambulante Angelo Rufino Carneiro e a estudante de contabilidade Iara Ferreira tiveram as suas rotinas totalmente modificadas por causa da turbulência política-econômica iniciada no fim de 2014. Antes da crise, Janete vendia roupa numa lojinha no Centro do Recife, Angelo trabalhava como eletropodador de uma empresa terceirizada na área de energia elétrica e Iara atuava no setor de telemarketing. Hoje, eles ganham menos do que recebiam no último trimestre de 2014, quando começou uma das maiores recessões da história do País. A desigualdade aumentou no Brasil, diminuindo a renda das pessoas de formas diferentes – dependendo do grau de instrução formal, da classe social, do gênero e até da raça, como mostra o estudo Escalada da Desigualdade, de autoria do economista Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Social.

A desigualdade mede a distância entre as pessoas, como diz Neri. Uma das formas de medi-la é comparando a renda dos cidadãos. A população brasileira teve uma perda de renda média de 3,71% entre o 4º trimestre de 2014 e o segundo trimestre de 2019, segundo o estudo. No entanto, essa perda foi muito maior em grupos como os jovens de 20 a 24 anos, as pessoas sem instrução, os pretos, os moradores da Região Norte e os do Nordeste, com respectivamente: -17,76%; -15,09%;-8,35%; -13,08% e -7,55%.

“Tem muita gente sofrendo com a falta de dinheiro. Agora, as vendas que faço dão pra tirar um almoço, pagar uma luz, a conta de água, fazer uma feirinha e acabou”, conta Janete. Até o terceiro trimestre de 2014, ela era dona de uma pequena lojinha na Avenida Dantas Barreto, área central da capital pernambucana. Lá, comercializava peças compradas no polo de confecções do Agreste. “As vendas despencaram. Não consegui mais pagar o aluguel do galpão nem viajar para Caruaru pra comprar roupa”, conta. Hoje, ela vende sandália, meia e bolsa num banquinho da Avenida Guararapes, no centro da capital.

E procurar um emprego formal? “Não consigo mais, porque não acompanhei o computador”, diz Janete, argumentando que em função das novas tecnologias ocorreram mudanças no ambiente de trabalho. Ela passou 17 anos trabalhando de carteira assinada em funções como auxiliar de escritório, atendente de portaria, entre outras. Depois disso, achou que ganharia mais abrindo um pequeno estabelecimento que deu certo durante anos, mas não resistiu à crise. “Quando tinha a loja, comprava mais coisas, ia mais no salão. Hoje, eu mesma faço a minha unha, entre outras coisas que mudaram”, conta ela que parou os estudos no segundo ano do ensino médio.

Metade da população mais pobre do País registrou uma queda de 17,1% no seu rendimento. A classe média baixa perdeu 4,16% da sua renda. “Os nordestinos perderam [(RENDA]duas vezes mais do que a média nacional”, conta Marcelo Neri. “O desemprego teve um impacto grande na perda da renda, mas o nível de escolaridade é importante. A maior perda ocorreu entre os que têm menos educação formal. A educação é o fator estruturante claramente redutor da desigualdade”, comenta Neri. Ele explica também que a maior perda de renda entre os mais jovens ocorre porque é “um grupo que tem pouco capital humano”.

A estudante de contabilidade Iara Ferreira, aos 24 anos, está no grupo que teve maior diminuição da renda. Hoje, ela “ajuda” numa lanchonete da família montada na traseira de um carro, que, nos dias úteis, fica estacionado numa movimentada rua do Centro do Recife. “Quero entrar na área contábil, mas não consigo por causa da crise. Não quero mais trabalhar de telemarketing”, diz. O empreendimento informal gera uma renda de cerca de dois salários mínimos (R$ 1.996) para pagar a despesa de uma família de quatro pessoas, incluindo uma criança. Quando a estudante trabalhava de telemarketing, ganhava um salário mínimo (R$ 998).

A crise fez a desigualdade aumentar no Brasil por 17 trimestres consecutivos, comparando com os mesmos meses do ano anterior, entre o 4º trimestre de 2014 e o segundo trimestre de 2019, de acordo com o estudo. Isso não ocorreu nem na década de 1980, considerada “perdida”. O resultado foi o aumento da pobreza de 33%, segundo o estudo. No fim de 2014, os pobres eram 8,38% da população do País, passaram a ser 11,18% no fim de 2017. Nesse intervalo, foram acrescidos mais 6,27 milhões de pobres.

ELEIÇÕES

Outro dado que chama a atenção no estudo é que há uma queda na pobreza de 12,82% no ano de uma eleição presidencial. No ano seguinte a esse tipo de pleito, há um aumento (da pobreza) em 14,92%. “O ciclo eleitoral dita o tempo das políticas públicas. Isso gera instabilidade e engana a população mais pobre”, argumenta Marcelo Neri. Segundo ele, nos anos de eleição presidencial, os programas sociais apresentam um crescimento de 24%, as aposentadorias crescem 10% e a renda do trabalho apresenta uma performance positiva de 3%. “Esse último não é pela via do emprego, mas do salário”, afirma Neri. São as pessoas contratadas para distribuir panfletos, segurar bandeira que melhoram a sua renda. É mais uma fotografia da pobreza do Brasil.

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