"Recife sem mordomias"

Câmara de Vereadores do Recife é a sexta mais cara do Brasil

Iniciativa da sociedade civil, que será lançada nesta quinta-feira (17), quer fim de pagamento de auxílios para os 39 vereadores da capital

Ciara Carvalho
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Ciara Carvalho
Publicado em 13/10/2019 às 8:15
FOTO: BIANCA SOUZA/JC IMAGEM
Iniciativa da sociedade civil, que será lançada nesta quinta-feira (17), quer fim de pagamento de auxílios para os 39 vereadores da capital - FOTO: FOTO: BIANCA SOUZA/JC IMAGEM
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Em abril de 2017, os vereadores do Recife aumentaram, em favor próprio, o valor do auxílio-alimentação de R$ 3,095,86 para R$ 4.595. Deram-se, de presente, um reajuste de 53% no benefício. Uma semana depois, com a repercussão negativa de alcance nacional, decidiram voltar atrás e revogaram o aumento. Ano seguinte, em julho de 2018, nova tentativa. Dessa vez, elevaram o valor para R$ 3.450,00. A medida causou barulho e, mais uma vez, não foi adiante. É apostando na força dessa pressão e do controle social que um grupo de entidades lançará, nesta quinta-feira (17), uma campanha cujo alvo central são os penduricalhos da Câmara dos Vereadores. Batizada de “Recife sem mordomias”, a iniciativa quer pôr fim a todos os auxílios. Não só extingui-los, mas também reduzir em 50% as verbas indenizatórias e de gabinete pagas, todo mês, aos 39 parlamentares da capital. A ideia é mobilizar a sociedade para conseguir, via projeto de lei de iniciativa popular, levar a discussão do corte de gastos para dentro da câmara.

À frente do movimento, a ONG Seja a Mudança foi para a ponta do lápis e fez as contas do custo de cada vereador para a população recifense. Somados o salário (R$ 14.365,00) e todos os benefícios, o parlamentar representa uma despesa de R$ 85.260,86, por mês. Quando o tamanho do gasto é calculado por ano o total de recursos para cada vereador ultrapassa R$ 1 milhão. Considerando o pacote completo, que inclui todos os parlamentares ao longo dos quatro anos do mandato, a despesa chega a R$ 160 milhões. Isso só com os vereadores e seus gabinetes. As cifras incomodam no atacado, mas impressionam também no varejo. “Fizemos um pedido de informação à Câmara e ficamos horrorizados com os valores. Não só as totalizações, mas as quantias destinadas a cada benefício. É imoral o contribuinte pagar R$ 3.095,86 só de auxílio-alimentação, quando o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) mostra que 66% dos brasileiros vivem com R$ 2.100,00 de renda média”, afirma o professor Igor Sacha, um dos coordenadores da campanha.

Na mira da mobilização estão ainda o auxílio-gasolina (R$ 2.300,00), verba para Correios e telefone (R$ 2.100,00) e o auxílio-paletó (um salário a mais no início e no término da legislatura). Em relação aos outros benefícios, que o projeto de lei propõe reduzir em 50%, os valores também são expressivos. A verba indenizatória garante o repasse de mais R$ 4.600,00, por mês. E a verba de gabinete, prevista para bancar a contratação de até 18 cargos comissionados, representa uma despesa mensal de R$ 58.800,00, por parlamentar. “Como essas verbas são de caráter indenizatório, sequer recaem sobre elas o desconto de Imposto de Renda. E os parlamentares nem precisam justificar para que usam. Já recebem os valores antes mesmo de gerar qualquer tipo de despesa. É a inversão, inclusive, do significado da palavra indenização. Porque não é um reembolso”, afirma o advogado Brivaldo Gonçalves, integrante da ONG Seja Mudança.

O movimento fez um comparativo dos recursos da Prefeitura do Recife empenhados com a Câmara e os valores destinados no orçamento deste ano para várias secretarias municipais. De acordo com o grupo responsável pela mobilização, está previsto o repasse de R$ 155 milhões para pagar as despesas totais da Câmara dos Vereadores em 2019. “O valor é superior ao orçamento de secretarias importantes, como Assistência Social (R$ 104,5 milhões), Cultura (R$ 85,4 milhões) e Habitação (R$ 56,5 milhões). É um descalabro essa situação, porque inverte completamente as prioridades que deveriam nortear o uso dos recursos públicos. Estamos gastando mais dinheiro para manter uma estrutura cara e dispendiosa na Câmara do que em pastas importantes e com forte demanda social”, critica Igor Sacha.

Os organizadores da campanha “Recife sem mordomias” fazem questão de ressaltar que, em nenhum momento, a mobilização tem o propósito de negar a política. “Muito pelo contrário, queremos trazer a população para o exercício da cidadania, com a fiscalização e o controle social da atividade dos parlamentares. Até porque as pessoas não têm a consciência de que são elas que bancam esses gastos. Nossa cultura é de democracia representativa, mas é fundamental exercemos também a democracia participativa. E umas das ferramentas para isso é justamente o projeto de lei de iniciativa popular”, reforça a advogada Marina Wavrik, que integra o movimento.

A iniciativa tem o apoio do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em Pernambuco, Bruno Baptista, que destaca a importância da sociedade civil se mobilizar em favor dos interesses da população. “O parlamento tem um papel essencial para a democracia e isso jamais pode ser questionado. Mas o que a campanha discute é o alto custo da Câmara e eu concordo com eles.” O representante da OAB lembra que o salário do vereador já é compatível com o cargo e não faz sentido haver um número tão grande e em valores tão expressivos de acréscimos financeiros para outras finalidades. “Até porque fica uma situação difícil para a população compreender. Se já há o salário, por que tantos outros auxílios? É preciso mais razoabilidade e bom senso”, avalia.

LANÇAMENTO NA CATÓLICA

Na quinta-feira (17), a campanha será lançada, às 19h, no auditório G4, da Universidade Católica de Pernambuco. Todas as informações estão reunidas no site www.recifesemmordomias.com.br. Lá, os recifenses têm acesso ao texto na íntegra do projeto de lei de iniciativa popular, além de vídeos e orientação de como assinar o documento. “Sabemos que vai ter uma reação gigantesca, porque eles sempre se mobilizam contra qualquer iniciativa que venha a cortar privilégios. Por isso que o nosso caminho é formar uma rede de apoio e fazer com que as pessoas tenham interesse de acompanhar esse debate”, explica Igor Sacha. O foco é conseguir 56 mil assinaturas. Com isso, a iniciativa atinge 5% do eleitorado e coloca o assunto na pauta da Câmara, sem precisar de um vereador para apresentar o projeto de lei.

Caso a lei seja aprovada, o grupo calcula que a economia anual estimada é de R$ 11,4 milhões. O dinheiro, no entanto, não voltaria para os cofres da prefeitura. Pela lei, não teria como, por exemplo, assegurar que esses recursos fossem aplicados em ações sociais. “Teríamos que fazer pressão para que os valores economizados tivessem uma destinação mais justa, que fossem revertidos em melhoria para a população”, reconhece Sacha. Mas essa, ele sabe, já é uma segunda luta.

 

A SEXTA CÂMARA MAIS CARA DO PAÍS

Um levantamento feito pelo Conselho Regional de Contabilidade de Santa Catarina comparou os gastos das Câmaras dos Vereadores de todas as capitais brasileiras em 2018. Em todos os recortes, o Recife aparece sempre em 6º lugar no ranking entre os legislativos municipais que geram mais despesas para o contribuinte. Na lista que enumera os custos totais, em valores absolutos, a Câmara da capital pernambucana fica atrás apenas da do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador e Fortaleza. O estudo mostra que, no ano passado, os gastos com o parlamento recifense foram de R$ 146,6 milhões. Quando a conta leva em consideração a despesa per capita (por habitante), o Recife ocupa o segundo maior gasto do Nordeste. Cada recifense desembolsou, em 2018, R$ 89,55 com os 39 parlamentares. Na região, o primeiro lugar ficou com São Luís, com R$ 93,69, per capita.

A pesquisa do Conselho Regional de Contabilidade tem como base dados obtidos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e nos portais de transparência das câmaras e prefeituras municipais das capitais. A radiografia das Câmaras é a terceira publicação do projeto Contabilizando para o Cidadão, criado em 2016 com o objetivo de tornar acessível para toda a população os gastos públicos com os seus representantes. No primeiro ano, foram elencados os custos com as prefeituras das capitais; em 2017, a iniciativa apontou as despesas das Assembleias Legislativas. “A sociedade precisa enxergar os números. A gente quer dar a ferramenta para o cidadão ter embasamento e cobrar dos políticos. Quanto mais os moradores se apropriarem desses valores, mais eles terão elementos para reivindicar seus direitos e exigir cortes de gastos”, afirma Marcello Seeman, presidente do Conselho Regional de Contabilidade de Santa Catarina.

Autor de projetos de lei distintos que propõem a extinção dos auxílios-paletó, de gasolina e de alimentação, o vereador do Recife Jayme Asfora (sem partido) comemorou a iniciativa da campanha “Recife sem mordomias”, afirmando que as mudanças só vão acontecer quando a sociedade se envolver e fizer pressão sobre a classe política. O primeiro projeto, de 2016, derrubava o auxílio-paletó, mas terminou caducando sem que fosse colocado para votação. No ano passado, Jayme apresentou três projetos, pedindo novamente o fim do auxílio-paletó, outro propondo acabar com a verba para gasolina e o terceiro, a suspensão da ajuda para alimentação. “É uma iniciativa inspiradora. Fico animado em saber que a sociedade está se organizando para cobrar um mandato mais austero. Se os eleitores comprarem essa briga, conseguirão derrubar esses privilégios”, defende Jayme. Na avaliação do vereador, os benefícios pagos no Legislativo são completamente incompatíveis com o conceito indenizatório. “Ao meu ver, é a maneira inconstitucional de aumentar os salários.”

Para o líder da oposição na Câmara, Renato Antunes (PSC), os parlamentares precisam estar sensíveis para ouvir as demandas da sociedade. “Esse debate é inevitável, porque as pessoas estão pedindo. Se tiver que fazer mudanças, faremos. Agora defendo que ele se dê nos três níveis de poder: Executivo, Legislativo e Judiciário. A cobrança do uso racional dos recursos públicos é legítima em todas as esferas”, avalia. O líder do governo na Câmara, Eriberto Rafael (PTC), foi procurado pelo JC, mas não foi localizado. Já o presidente da Câmara dos Vereadores do Recife, Eduardo Marques (PSB), limitou-se a responder através de nota. “Respeitamos todos os movimentos sociais, sejam eles quais forem, frutos da capacidade de organização e luta do povo do Recife. A Câmara Municipal está sempre disposta a dialogar com todos, com clareza e transparência. Vamos aguardar o lançamento desse grupo, das suas manifestações e questionamentos, para realizar os debates que forem necessários.”

 

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