NOVA DIRETORIA DO TJPE

Fernando Cerqueira pretende digitalizar todos os processos até setembro de 2020

Novo presidente do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) toma posse nesta segunda (3)

Ângela Fernanda Belfort
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Ângela Fernanda Belfort
Publicado em 02/02/2020 às 7:01
Foto: Brenda Alcantara/JC Imagem
Novo presidente do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) toma posse nesta segunda (3) - FOTO: Foto: Brenda Alcantara/JC Imagem
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O desembargador Fernando Cerqueira vai ser empossado nesta segunda-feira (3), às 15 horas, como presidente do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), cargo que vai ocupar até 2022. Na entrevista abaixo, ele fala de alguns desafios como digitalizar todos os processos do Judiciário pernambucano até setembro deste ano, do sistema carcerário e do juiz de garantia. “Vou cobrar o compromisso de todos no Poder Judiciário com a prestação jurisdicional”, diz, acrescentando que prioritário é atender à população e trabalhar de forma inteligente, o que inclui avançar no que já é feito usando novas tecnologias.

Entrevista com Fernando Cerqueira, que será empossado nesta segunda-feira (03/02) como presidente do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE)

JORNAL DO COMMERCIO – O senhor pretende digitalizar todos processos do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE). Como vai ser esse processo de digitalização?

FERNANDO CERQUEIRA – Hoje, temos 60% de todos os processos de Pernambuco digitalizados. É muito mais fácil de controlar, mais seguro, mais fácil do juiz identificar os gargalos que têm na unidade judiciária. Dos 2,4 milhões de processos, cerca de 870 mil ainda são físicos. E a gente precisa não apenas cumprir a meta do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mas também é interesse nosso que todos os processos sejam digitalizados. É uma vantagem muito grande: a rapidez do processo jurisdicional é outra coisa. A média é de 2 anos e meio para ser concluído um processo cível. Basicamente, o criminal leva também dois anos.

JC – E por que a digitalização dos processos é tão importante?

FERNANDO – Por exemplo, um juiz de interior precisa se deslocar para pegar esses processos e julgar. A partir da digitalização, ele não vai mais precisar fazer esse deslocamento. Nós temos 40 comarcas vagas sem juiz. Aí vamos monitorar esses processos remotamente mesmo sem juiz. Isso é uma vantagem muito grande. Para isso, vamos precisar de investimento, mas não posso mensurar agora. Estamos fazendo um convênio com o Exército para que ele ceda mão de obra e consigamos fazer uma parte dessa digitalização. A outra parte teremos que licitar e não tem como fazer diferente. Estou disposto a cumprir os prazos do CNJ. Ou seja, até setembro deste ano ter Pernambuco totalmente digitalizado.

JC – E como o TJPE está se preparando para implementar o juiz de garantia?

FERNANDO – A implementação foi suspensa porque o prazo de 30 dias para implementar era impossível. O que acho disso? É o melhor dos mundos, o que deveria ocorrer em um país civilizado que tem o respeito à Constituição, às leis e às garantias dos direitos individuais. Mas nós não temos estrutura para colocar em prática os juízes de garantia. Já temos um problema muito sério: a audiência de custódia. Em função disso, temos que movimentar juízes, suspender férias (dos juízes). A audiência de custódia é quando a autoridade policial detém uma pessoa em flagrante e a mesma tem que ser levada imediatamente ao juiz, que verifica perante a lei se a prisão é legal ou ilegal. Pernambuco é um exemplo para o Brasil em termos de audiência de custódia. O Estado foi dividido em polos e mantemos plantões neles especialmente nos finais de semana, quando temos que movimentar esses juízes no Estado inteiro. Isso é caro, um custo para todos: Judiciário, Defensoria Pública, Polícias, Ministério Público. E acarreta ainda um problema maior, quando tiramos o juiz para o trabalho da audiência da custódia, vamos ter que compensar em outro dia da semana o trabalho feito por ele no final de semana. Temos 200 cargos vagos de juízes. São 502 juízes e 52 desembargadores.

JUIZ DE GARANTIA

JC – O que é o juiz de garantia?

FERNANDO – O juiz de garantia é o que conduz a solicitação do Ministério Público e da autoridade policial para a investigação do caso. Como ele toma conhecimento da investigação, ele não pode julgar, porque para julgar tem que ser isento. E ele não pode ser isento se tomou conhecimento de toda a matéria na investigação. Essa é a ideia. Quando o juiz de garantia for implementado, precisaríamos, na área criminal, de dois juízes e, na época eleitoral, precisaríamos de quatro juízes numa comarca. Não temos estrutura para administrar o juiz de garantia. Não adianta fazer estudos paralelos, porque vai ser implantado o que o CNJ orientar. Hoje, o mesmo juiz que julga atua como juiz de garantia.

JC – Mas o senhor é a favor ou contra a implementação do juiz de garantia?

FERNANDO – Tendo estrutura, eu sou a favor. Sem estrutura, nós não temos pessoal. Temos 502 juízes atuando no primeiro grau. Para implantar o juiz de garantia, precisaríamos de mil juízes. Ou seja, seriam mais 500 juízes.

JC – Recentemente, foi publicada uma matéria com juízes recebendo valores altos, incluindo um que recebeu R$ 800 mil...

FERNANDO – Isso aí são direitos. Quando a direção do seu jornal suspende as suas férias, ela é obrigada a lhe pagar essas férias e, no caso da CLT, em dobro. É muito bom que se toque nesse assunto, porque sempre explico que as férias são um direito...

JC – Mas chama a atenção um juiz receber de férias R$ 800 mil num cargo público...

FERNANDO – Se você tem férias pra receber e o poder público ou a sua empresa disse que, naquele momento, não tem condições de pagar e suspende as férias. De novo, digo não tenho condições de pagar. De novo, não tenho condições de pagar. Foram acumuladas cinco, seis, dez férias durante anos. Desde 2011 que isso acontece. Então, o presidente com as custas judiciais, recursos públicos do próprio Poder Judiciário, teve condição e resolveu quitar todos os débitos do Poder Judiciário. O que causou espécie à população e foi mal aproveitado por algumas pessoas da imprensa de que isso seriam salários e vantagens, quando não são, são direitos. O que causou espécie foi o valor. Uma coisa é receber R$ 30 mil por mês. A outra é receber R$ 300 mil de uma vez só. A média foi R$ 200 mil. Isso causa impacto, mas esse impacto é referente a todos esses requerimentos nos quais foram colocados: ‘pague-se quando houver disponibilidade financeira’. No caso dos R$ 800 mil, é até delicado falar sobre isso, porque se refere a uma única pessoa e foi decorrente de um afastamento ilegal feito pelo TJPE e que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que ela fosse reconduzida ao cargo e pagos os atrasados.

JC – Todos os órgãos públicos têm um percentual que podem gastar com funcionalismo. O TJPE está cumprindo a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)?

FERNANDO – O limite prudencial da LRF é 5,7% e o Poder Judiciário gasta 5,4%. Vamos falar de outro problema que dizem que o Poder Judiciário tem os mais altos salários. O Poder Judiciário não é barato aos cofres públicos, se considerar que paga a uma imensa maioria um salário mínimo de R$ 1 mil. A maior parte dos terceirizados ganha R$ 1,2 mil em média. E aí entram os concursados, os técnicos judiciários na faixa de cerca de R$ 5 mil; têm os analistas judiciários na faixa de R$ 8 mil; as funções gratificados que elevam esses salários em cerca de R$ 2 mil; e os magistrados. O magistrado iniciante começa na faixa de R$ 28 mil brutos mensais. Ele paga Imposto de Renda e Previdência, só nisso aí o liquido deve ficar na faixa de R$ 16 mil para um magistrado que tem uma imensa responsabilidade perante à sua comunidade, onde presta serviço. Não é caro. Se tiver aqui na capital, há escolas que cobram R$ 3 mil mensais. O curso mais barato de medicina é R$ 8,5 mil por mês. Há magistrados que chegam aqui e dizem: meu filho está em tal colégio e pago R$ 7 mil (mensais). Tenho um magistrado na minha equipe que tem dois filhos que fazem faculdade de medicina. Ele recebe líquido na faixa de R$ 24 mil, paga dois filhos na faixa de R$ 8,5 mil, o que dá R$ 17 mil a menos, e sobrevive com R$ 7 mil. É caro isso? Não é caro. O magistrado não pode ter outro trabalho a não ser ensinar uma matéria, num horário que não comprometa a atuação como juiz.

JC – O que a Justiça pode fazer para contribuir pra uma melhora do péssimo sistema carcerário de Pernambuco?

FERNANDO – Não posso lhe falar com muita equidade sobre a atual situação. Sei que está melhor do que já foi pelo trabalho que fizemos com os juízes de execução penal. Nos ressentimos, a meu ver, de não termos uma Corregedoria Auxiliar de Execução Penal. Já fui juiz de execução penal e juiz corregedor de execução penal em 1992. Naquela época, o Aníbal Bruno tinha 400 vagas e 4 mil presos. É uma situação difícil. Agora, o ideal seria que tivéssemos um tratamento digno. A Constituição garante um tratamento digno ao preso, porque ele está nas mãos do Estado. Não podemos ter numa cela mais de dois presos, ou pode até ter um pouco mais, mas que convivam com dignidade. Eu tive em Minas Gerais, há cerca de três meses, fui conhecer uma experiência que eles têm lá que chama-se Apac. Minas Gerais tem cerca de 100 mil presos. Essa Apac é um presídio humanizado com 400 vagas. E, entre todos os presos, se candidatam – a uma das 400 vagas – os que têm bom comportamento.

JC – E como o senhor percebeu que lá funciona?

FERNANDO – Funciona porque é um presídio humanizado, mesmo fechado. A segurança é feita pelos presos. Não acontece uma fuga, uma rebelião. Tem oficinas de artesanato, eles trabalham. Tem agricultura lá dentro com tudo feito pelos presos. Eu fiquei encantado. E aí trouxe essa notícia ao governador Paulo Câmara (PSB) que me disse já ter ouvido falar dessa experiência.

JC – Esse sistema deve ser muito mais caro, não é?

FERNANDO – Segundo eles, é muitíssimo mais barato a operacionalização. A implantação é cara. Mas uma vez implantado, é muito mais barato do que os outros. Lá, é um trabalho feito entre o Tribunal de Justiça de Minas Gerais e o governo mineiro. Espero realmente que o governador possa ir lá conosco conhecer. Isso é o ideal do ideal. No sistema penitenciário, eu vejo que – de qualquer forma – cumprimos a legislação internacional e não somos exigentes com a população carcerária. O nosso sistema é horrível. Os sistemas, em outros países que conheço, são completamente diferentes: têm ordem. Nos outros países, preso não se comunica diretamente com advogado. Aqui, tem visita íntima. País nenhum tem. Tudo isso porque pensamos que isso é humano. É humano? Quando fui corregedor de presídio, numa cela tinha 20 presos. E, como se admitia a visita íntima, a esposa ou a namorada do preso ia pra cela, onde tinha um pedaço de pano, separando para que ele recebesse a companheira lá. Quando essa moça saia, era uma coisa horrível os relatos que nós ouvíamos. Nessa época, em 1993, se chegou a um nível tal, que eu, como juiz, e o secretário de Justiça do Estado, na época Marcos Cabral, proibi a visita íntima com o fim de que o Estado recuperasse uma das alas do presídio para fazer celas individuais nas quais pudessem receber a companheira. Passamos algum tempo com isso parado. E o clima, nesse período, foi horrível. Em país nenhum do mundo se tem notícia de tantos direitos assim aos presos. A Argentina, que é um país próximo ao nosso, é um primor. Lá, preso fala com o advogado através de um vidro e por telefone. No nosso, os presos falam abertamente. São essas coisas que precisamos aprimorar. 

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