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Madalena dos casarões

Originado na época áurea do açúcar, bairro apresentado pelo arquiteto Milton Botler é reduto de belas edificações históricas, que resistem à inevitável verticalização

Jessica Souza
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Jessica Souza
Publicado em 04/06/2012 às 10:38
Foto: Flora Pimentel/JC Imagem
Originado na época áurea do açúcar, bairro apresentado pelo arquiteto Milton Botler é reduto de belas edificações históricas, que resistem à inevitável verticalização - FOTO: Foto: Flora Pimentel/JC Imagem
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Às margens do Rio Capibaribe, o bairro da Madalena cresce. Casarões do período colonial dividem espaço com modernos edifícios. Um cenário verticalizado que dá novos traços a um bairro cujo nome remonta à época áurea da exploração do açúcar pernambucano.

A localidade recebeu o seu nome no século 16, uma homenagem à dona Maria Madalena Gonçalves, esposa de Pedro Afonso Duro, que havia adquirido aquelas terras. A casa-grande do engenho ficava no belo sobrado que hoje abriga o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e o Museu da Abolição, na Rua da Benfica.

Foi por lá que ficou a imperatriz Teresa Cristina, em viagem com o marido Dom Pedro II, em 1859. Desde esse período, o bairro já era considerado um espaço da aristocracia recifense, como bem retrata o artigo Espaço, história e política: atores e ações no bairro da Madalena, publicado na Revista Científica do Departamento de Ciências Geográficas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Atravessam-se séculos, e a proximidade do Rio Capibaribe, a posição central do bairro e a disponibilidade de serviços e infraestrutura continuam a atrair e encantar moradores, tornando a Madalena uma das principais apostas do mercado imobiliário. Contra o fluxo dos que buscam apartamentos nas alturas, o arquiteto Milton Botler, 50 anos, abraça o seu espacinho verde, uma casa no mesmo quarteirão em que morou durante toda a vida. É com orgulho que ele ressalta: “Nasci e me criei na Madalena”. 

O arquiteto apresenta, na série Lá onde eu moro, o lugar onde tem passado a vida. Entre outras observações importantes, ele comenta o quanto o bairro mudou ao longo das décadas. “Estou perdendo o horizonte. Para ver o céu do meu jardim, agora tenho que me deitar, mas isso é normal”, diz, em tom de desabafo.

Na época em que o horizonte podia ser apreciado sem limites ou obstáculos, as atividades de Milton dividiam-se entre o futebol na área de charco no Sítio dos Valença, os jogos de bola de gude na Praça Eça de Queiroz e a natação no Clube Internacional, que fica em frente à Praça Euclides da Cunha. A praça, projetada por Burle Marx, localiza-se na área da Benfica. Das atividades de Milton, apenas a escola se localizava em outro bairro, na Boa Vista. “Transporte sempre foi fácil. Pegava ônibus lá na Caxangá e ia para o colégio”, relembra. A utilização da Madalena como bairro de passagem, cortado por movimentadas vias como as avenidas Beira-Rio, Real da Torre e Visconde de Albuquerque, se acentua ainda mais nos dias de hoje. 

Nos oito quilômetros que percorre diariamente na pista de cooper na Beira-Rio, Milton vê a Madalena se transformar, mas garante que nem todas as mudanças são negativas. “À medida que chega mais gente, há mais oportunidade de integração e aparecem mais serviços para os moradores aproveitarem”, opina. “Agora ficamos até chiques com aquela lanchonete de sanduíches Subway”, comenta, bem-humorado.

Como bom conhecedor do bairro, Milton procura fazer quase tudo a pé ou de bicicleta. Dia desses, ele e a esposa caminharam até um restaurante na Rua do Cupim, no Espinheiro. “Tem gente que diz que tem medo de andar. Tenho medo de cair em um buraco ou ser atropelado por um carro que saiu de um prédio”, diverte-se.

E quem não gostaria de dar um passeio observando o glamour e a imponência dos casarões em estilo neoclássico da Rua Benfica? Em apenas uma volta pela região, dá para se encantar com a beleza com casarões representantes da arquitetura neoclássico do século 19. Chamam a atenção a casa de recepções Blue Angel, a Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco (Facepe), o Centro Cultural Benfica, que acolhe o Teatro Joaquim Cardozo e o Instituto de Arte Contemporânea, e a sede do Batalhão de Choque da Polícia Militar.

Também é a pé ou montado na bike que Milton visita, mensalmente, o salão da sua cabeleireira, na Comunidade do Cardoso, que – com o Campo do Cacique e a Mangueira da Torre – forma as três Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) do bairro. 

A pé, ele ainda frequenta a padaria Pão Massa, na frente do Mercado da Madalena, ou mesmo a Massa Nobre, na Rua José Bonifácio. Quando é para consertar sapatos, vai no box de Toinho, no mercado. “Toinho herdou do pai dele. Anos atrás, meus pais e minha avó também deixavam sapatos lá”, recorda. Ao relembrar a juventude, Milton não deixa de mencionar as visitas com os irmãos mais velhos ao notório Bar Sabiá, que ficava no Sítio dos Valença. “Todo mundo que tem até 40 anos sabe onde ficava o Bar Sabiá”, diz. 

Depois da sua fase, foi a vez dos filhos de Milton – Fábio, Leo e Bruno – fazerem farra pelos bares do bairro. “O pessoal ia muito ao Tom Marrom, ao Chinês e ao Mercado da Madalena”, destaca o arquiteto.

No mercado inaugurado em 1925, um dos boxes que chama a atenção é o da Confraria dos Chifrudos, por causa da bem-humorada frase “Quem não for corno seja bem-vindo. Quem for, toque o sino”. Como se vê, passam-se as gerações; e os cenários e os atores até mudam. Mas uma coisa permanece viva: o espírito boêmio do mercado, que dá um tom peculiar e nostálgico ao bairro da Madalena.

 

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