LÁ ONDE EU MORO

Admirável mundo verde de Apipucos

Endereço de senhores de engenho e sinhazinhas nos tempos áureos da cana-de-açúcar, bairro onde viveu Gilberto Freyre ainda guarda ar bucólico. E é justamente por isso que o arquiteto Carlos Augusto Lira não arreda o pé de lá

Jessica Souza
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Jessica Souza
Publicado em 18/06/2012 às 12:31
Foto: Flora Pimentel/JC Imagem
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A paisagem do bairro de Apipucos no século 19 foi bem descrita pelo sociólogo Gilberto Freyre na obra Apipucos: que há num nome? No livro, ele comenta: “Banhos de rio pela manhã, à tarde, jogo de cartas, à noite pastoris e danças – assim decorria a vida em Apipucos para a gente sinhá, nos grandes dias dos ‘passatempos de festas’ de recifenses e de famílias vindas de casas-grandes do interior, em Apipucos: no seu hotel e nas suas casas de veraneio”.

Naquela época, não havia carros, trânsito nem poluição no açude ou no Rio Capibaribe, cujas águas eram conhecidas por terem propriedades medicinais. Mas nem é preciso ir tão longe, ao tempo em que o local ainda era chamado de Engenho Apipucos, para notar as substanciais mudanças a que o lugar foi submetido. Que o diga o arquiteto Carlos Augusto Lira, guia da série Lá onde eu moro deste domingo.

Foto: Flora Pimentel/JC Imagem
Ilustração antiga de Apipucos - Foto: Flora Pimentel/JC Imagem
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O arquiteto Carlos Augusto Lira - Foto: Flora Pimentel/JC Imagem
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Açude de Apipucos - Foto: Flora Pimentel/JC Imagem
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Açude de Apipucos - Foto: Flora Pimentel/JC Imagem
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Açude de Apipucos - Foto: Flora Pimentel/JC Imagem
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Casinhas coloridas na frente da Praça de Apipucos - Foto: Flora Pimentel/JC Imagem
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Casinhas coloridas na frente da Praça de Apipucos - Foto: Flora Pimentel/JC Imagem
Foto: Flora Pimentel/JC Imagem
Igreja Nossa Senhora das Dores - Foto: Flora Pimentel/JC Imagem
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Fundação Joaquim Nabuco - Foto: Flora Pimentel/JC Imagem
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Sementeira Florescer - Foto: Flora Pimentel/JC Imagem

“Quando cheguei aqui em 1973, lembrava um interior mesmo”, ressalta Lira. Na casa onde ele mora, construída no final do século 19, um casario colorido chama a atenção dos transeuntes pela sua beleza histórica. “São oito casas. Originalmente, a vila, que fazia parte do engenho que deu origem ao bairro, tinha nove, mas antes mesmo de eu me mudar, já havia diminuído o número”, comenta.

Logo mais à frente do conjunto de casas coloridas, a estátua de Gilberto Freyre ergue-se imponente na Praça de Apipucos, olhando em direção à Igreja Nossa Senhora das Dores. A paróquia, um dos endereços saqueados em 1645 durante a invasão holandesa, não perdeu seu charme aristocrático. Erguida no Largo de Apipucos, é até hoje palco de diversas celebrações dos moradores da Zona Norte.

Além de Gilberto Freyre, seu mais ilustre morador durante o século passado, o bairro ainda abrigou o pintor Murillo La Greca, o jornalista Assis Chateaubriand e o empresário Delmiro Gouveia. É o que ensina o artigo da bibliotecária da Fundação Joaquim Nabuco Lúcia Gaspar, publicado no site da instituição. Pertencia ao empresário Delmiro Gouveia o casarão Vila Anunciada, onde hoje funciona a Fundação Joaquim Nabuco.

Outra casa transformada em fundação foi a do próprio Gilberto Freyre, em 1987. Antes chamada de Vivenda Santo Antônio de Apipucos, agora é conhecida como Casa-Museu Magdalena e Gilberto Freyre. “Os 80 anos de doutor Gilberto Freyre foram aqui na calçada, com maracatu e tudo”, relembra Carlos Lira.

Também costumava ser na calçada de Apipucos que os filhos do arquiteto, Joana e Pedro, brincavam na infância. “No começo tinha pouca gente, mas depois que eu cheguei, muitos também vieram. Todos tiveram filhos e os criamos com janelas e portas abertas”, conta. Era com eles que o arquiteto pegava um bote e cruzava o Rio Capibaribe para comprar coentro do outro lado da margem.

Pedro e Joana seguiram carreiras que os levaram para São Paulo, mas Lira garante que não deixa o seu endereço bucólico por nada neste mundo. “Meus filhos querem que eu saia, mas aqui é minha Disneylândia”, reflete. “Adoro cuidar da casa. Hoje mesmo estava no jardim, sem camisa, aguando as plantas e reclamando que não estão regando direito”, diverte-se.

Cuidar de plantas, inclusive, é um dos hobbies de Lira. É na Sementeira Florescer, ali pertinho, em uma ruela do lado oposto ao Açude de Apipucos, que ele escolhe e encomenda as flores que decoram a sua casa. “Abro o portão de trás e a gente vai por ele até a sementeira.” Atravessando essa porta, aliás, e andando mais alguns metros, o Capibaribe recepciona os visitantes.

Olhando para suas águas, Lira relembra a cheia de 1976. “O rio juntou-se com o açude e fiquei ilhado. Vi passar cavalo, teto de casa...” Também era no Capibaribe que o ajudante dele, Altemar Marques ou Neguinho, como é conhecido, pescava peixe beta para reproduzir e vender. Neguinho nasceu em Apipucos e, até hoje, diverte-se tomando banho no açude ou no rio na maré alta.

Mas ele não é o único que se aventura por aquelas águas. É só olhar em direção ao Açude de Apipucos que um pescador sempre estará lá com sua vara de pescar em mãos, esperando uma fisgada no anzol. Dizem que há tilápia, tartaruga, capivara e até jacaré. Tudo ao lado do movimentado trânsito da Avenida 17 de Agosto, que naquelas alturas já trocou de nome e virou Rua de Apipucos.

É na beira do lago, onde anos atrás passavam pedalinhos, que fica o Bar Mirante do Açude. Endereço escolhido por Lira e visitantes para petiscar enquanto apreciam a bucólica paisagem. “Não tenho luxo. Como de tudo: buchada, sarapatel...”, conta. Tem gente que vai só para bater foto e desenhar. O lugar fica mais movimentado nos finais de semana, quando há shows de música.

Apesar da movimentação intensa em alguns pontos específicos de Apipucos, passam-se séculos e o bairro continua sendo predominantemente residencial e aristocrático, com muitos casarões restaurados e novas mansões, algumas delas projetadas pelo próprio Lira. “Isso aqui é a minha vida.” Sentimento, certamente, que também deve ter tocado o coração do estudioso dos tempos de casa-grande e senzala, o mestre Gilberto Freyre.

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