foi um rio que passou em minha vida

Lembranças lapidadas pela água

Cheias fazem parte da história do Recife. Veja alguns casos e como as enchentes permanecem, até hoje, na mente das pessoas

Manuella Antunes
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Publicado em 21/07/2012 às 16:22
Fotos: Divulgação
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Baronesas boiando no Rio Capibaribe anunciavam o perigo. Significavam, no mínimo, que a chuva havia chegado no interior, lá na cabeceira do rio. A verdade é que até a década de 70, o Recife convivia com a incerteza. Um de seus mais belos cartões-postais – dócil nos meses de estiagem – tinha poder destruidor no período das chuvas. Anos a fio passaram sob a sombra desse medo e as várias cheias que assolaram a cidade não deixaram apenas marcas visíveis.

Herança inquestionável do período em que o rio era, também, o pavor da população são as memórias de quem viu o Recife ficar, literalmente, debaixo d’água. O álbum de figurinhas que foi embora com a correnteza, os barquinhos de papel que distraíam as crianças, a solidariedade entre vizinhos, as vidas perdidas que passaram boiando pelas janelas. É tudo lembrança. É tudo Recife.

“A água já tinha entrado em casa quando meus pais acordaram a mim e minhas irmãs. Nosso quarto era no primeiro andar, para onde começamos a levar tudo o que era possível”, conta a dentista Thelma Gusmão, 51 anos, referindo-se à madrugada do fatídico dia 17 de julho de 1975. Três quartos, um banheiro e uma “salinha” formavam o pavimento onde a família ficou alojada durante as mais de 48 horas que a água engoliu o Recife. “Éramos seis pessoas em casa e ainda tinha três cachorros. Abrigamos a família da casa ao lado. Mais três pessoas. Eles precisaram sair, a casa deles era térrea. O problema todo é que nossos cães eram bravos. Meu pai trancou-os dentro do banheiro e, toda vez que alguém precisava usar o sanitário, era uma novela.”

Mas o principal drama na Rua Carneiro Vilela, 551, onde morava a família de Thelma, foi o resgate da gatinha Mimi. Sem entender o risco que corria –obviamente –, a felina continuou seu passeio pelo jardim da casa como se não houvesse amanhã. “Quando olhei pela janela, ela estava em cima do muro e a água já batia na patinha dela. Como fazia natação, resolvi resgatá-la. Minha mãe não queria deixar de jeito nenhum, mas eu fui. Quando peguei a bichinha, estava tão assustada que apertou minha mão com as garrinhas”, lembra, hoje, rindo.

E apesar de boa parte das memórias de quando o rio resolvia se rebelar soarem, hoje, engraçadas – e até saudosistas – os registros do jornalista e pesquisador Leonardo Dantas Silva revelam, por exemplo, que os dois dias de alagamento de 1975 deixaram um saldo de duas dezenas de mortos e cerca de 25 mil desabrigados na capital pernambucana. Em artigo escrito em 1989 para este JC, Dantas é enfático: “As histórias de água são sempre uma constante na memória de cada povo, particularmente dos habitantes desta cidade – no Recife, ‘o que não é água, foi ou lembra água’, ensina Valdemar de Oliveira”, escreveu o jornalista.

Dantas conta que o recifense vivia eternamente com medo das águas do Capibaribe. “Era através das estações de rádio que as notícias de enchentes chegavam nas casas recifenses”, lembra. O pavor, segundo narra, só foi atenuado depois da construção da barragem de Carpina, que veio completar o sistema Tapacurá. Antes disso, porém, esta cidade no nível do mar foi marcada pelas inundações ocorridas em 1832, 1854, 1869, 1897, 1924, 1950, 1965, 1966, 1970 e 1975, como relata ele no artigo "Capibaribe, meu rio".

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