Persona

Gilvan Lemos: enclausurado e culto

Escritor pernambucano vive recluso entre centenas de livros num apartamento na Boa Vista

Raquel Motta
Cadastrado por
Raquel Motta
Publicado em 20/04/2013 às 7:23
Felipe Ribeiro/JC Imagem
Escritor pernambucano vive recluso entre centenas de livros num apartamento na Boa Vista - FOTO: Felipe Ribeiro/JC Imagem
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Aos 85 anos, Gilvan Lemos tem muitas saudades, em especial de sua terra natal, São Bento do Una, no Agreste pernambucano. Sente falta dos pais, irmãos e do tio Petrônio, considerado o seu grande amigo. Nunca se casou, nem teve filhos. Amava o Recife de outrora. Hoje vive recluso, na Boa Vista, em um apartamento com muitas estantes cheias de livros, seus grandes companheiros desde a infância. Com a voz mansa, lembrou histórias e falou da entrada para a Academia Pernambucana de Letras por aclamação. No autógrafo para a repórter Rachel Motta no livro Os olhos da treva dedicou a quem o botou em confissão durante uma tarde tranquila, como o escritor.

JC - De onde vem a inspiração?
GILVAN LEMOS –
Da vida, da minha própria, da experiência do que vivi, do que observo e leio.

JC – Começou a escrever cedo?
GILVAN –
Aos 15 anos, de atrevido que era, porque morava em São Bento do Una e lá não tinha biblioteca, uma pessoa culta, nem jornal.

JC – Quem o ensinou a amar os livros?
GILVAN –
Comecei a ler gibi e, por influência da minha irmã, passei a ler romance. Minha mãe era uma mulher ignorante, não tinha o primário, mas conversando com ela você se admirava por ela ler Dostoievski, Érico Veríssimo e Machado.

JC – Quando veio para o Recife?
GILVAN –
Em 1949. Vim sozinho, porque lá em São Bento não tinha nada. Não tinha professor, uma pessoa culta. Tinha que comprar livro por reembolso postal, porque não tinha livraria nem biblioteca. Me fiz sozinho.

JC – Morou em outros lugares além daqui?
GILVAN –
Minha intenção ao sair de São Bento era ir para o Rio. Um amigo já tinha ido e contava histórias. Pensava que chegando lá me fazia. Mas aí um primo disse que era perigoso, cidade muito grande. Prometeu um emprego para mim no Recife, que não vingou. Fiz concurso e passei na Sulamérica. Depois, fui para o Iapi, que é o INSS. Hoje, o Recife está uma desgraça, mas antigamente era uma beleza.

 
JC – E na juventude?
GILVAN –
Gostava da Rua do Imperador, onde ia com meu tio, meu grande amigo, Petrônio Valença, irmão da minha mãe. Gostava de Boa Viagem, da Torre. Toda noite ia ao cinema.

JC – O que está lendo? Guarda muitos livros?
GILVAN –
Estou lendo o meu livro Espaço terrestre. Contei outro dia todos os volumes e achei quatro mil.

JC - Tem algum hobby?
GILVAN –
Gostava muito de cinema e de futebol. Não perdia. Sou Santa Cruz. Em 50, tive a maior decepção da vida. Passei meses doente com a derrota do Brasil na Copa. Em São Bento do Una, dos 17 aos 20 anos, jogava no Comércio Futebol Clube, na ponta-direita e, depois, na meia-direita. Nunca quis jogar em time grande. Hoje, gosto também do computador. Faço tudo. Vejo e-mail. Uso todo dia.

JC - Uma saudade?
GILVAN –
Ave-Maria. Tenho todas, principalmente de minha cidade. Dos meus pais, irmãos, do meu tio Petrônio. 

JC - Qual foi um dos primeiros livros que leu e mais o marcou?
GILVAN –
O Conde de Monte Cristo. Comecei a ler e não aguentei. Era uma letra miúda, mas terminei e achei maravilhoso. Passei a querer ser escritor.

JC - Como veio o reconhecimento no Recife como escritor?
GILVAN –
Se eu tivesse ido para o Rio teria sido outra coisa. Só comecei a ser notado aqui quando fiz sucesso no Rio e em São Paulo, porque aqui ninguém dava valor.

JC - Qual o sentimento de ser membro da Academia Pernambucana de Letras?
GILVAN –
Fui eleito por aclamação, porque eu não me candidatei. Com 36 votos. Somente quatro deixaram de votar. Fiquei surpreso, porque Fátima Quintas me telefonou contando e eu nem tinha me candidatado. Aí brinquei que tinha me igualado com Gilberto Freyre. Ele foi eleito por aclamação, porque ele nunca quis. E eu não podia recusar. Hoje estou lá. Eles todos lá me tem muita consideração.

JC - Tinha amigos escritores?
GILVAN –
Fiz amizade com Osman Lins. Era uma pessoa boa. Fez força para ir a São Paulo, porque dizia que Recife era um cemitério. Se quisesse ser escritor tinha que sair daqui. Ele dizia para eu não publicar nada por conta própria que era pra mandar para uma editora do Sul.

JC - Recebeu muitos prêmios?

GILVAN – O mais importante foi o Érico Veríssimo, da Editora Globo. Naquele tempo 50 mil cruzeiros. Era muito dinheiro.

JC - O que ficou marcado da infância?
GILVAN –Foi uma época de um sofrimento terrível. Tive conjuntivite primaveril.  De manhã, acordava com os olhos pregados. Tinha que usar óculos escuros. Tinha uma vergonha danada e precisava esconder. Também tive enxaqueca toda semana batia desde os 12 anos. Não passava com nada. Ficava o dia todo de cama na crise.

JC - Quais bairros já morou no Recife?
GILVAN –
Quando cheguei ao Recife, morava em pensão, porque ganhava pouco. Depois comprei um quitinete no Espinheiro. Morei em Casa Forte e em 1992 vim para cá, a Boa Vista.

 

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