gastronomia

Mar, coco e mariscos no roteiro gastronômico

Com leite de coco, qualquer marisco ganha sentido no litoral pernambucano: preparados isolados ou todos mesclados

Bruno Albertim
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Bruno Albertim
Publicado em 09/12/2011 às 8:10
Foto: Rodrigo Lôbo/JC Imagem
Com leite de coco, qualquer marisco ganha sentido no litoral pernambucano: preparados isolados ou todos mesclados - FOTO: Foto: Rodrigo Lôbo/JC Imagem
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Era um domingo de sol já morno no comecinho dos anos 80 quando 20 esfomeados clientes chegaram ao pequeno bar localizado na margem de Itapuama, maré que separa o lugarejo da famosa Itamaracá. Notória cozinheira, dona de fama conquistada com os mariscos tirados das águas locais, dona Irene da Silva não tinha mais o que oferecer. Ela ainda tentou fazer com que os clientes se dirigissem a um dos outros vários estabelecimentos do cais. Em vão.

"Naquele dia, todas as comidas tinham saído rápido. Minha mãe não tinha mais o que servir para toda aquela gente", conta Alberto, filho e principal ajudante de dona Irene, que hoje, aos 83 anos, trabalha mais no controle geral da qualidade do que sai das panelas que propriamente na manipulação de ingredientes.

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Cientes do talento culinário da senhora, os clientes daquele primeiro dia "pediram para ela juntar o pouco que tinha restado em todas as panelas numa tigela única". Segundo o filho, até um nome foi sugerido: misturada. "O grupo gostou tanto que, no domingo seguinte, veio novamente requisitando a mesma refeição. Só que, desta vez, já tínhamos dado um novo nome para a novidade: caldeirada." Nascia, então, uma recentíssima tradição culinária pernambucana. A que transforma o tradicional ensopadinho de mariscos numa grande epifania marinha.

Antes, cada pescado era cozido – e servido – separadamente. "No início, os donos de outros bares criticaram. Mas, aos poucos, eles viram que o negócio dava certo", lembra Alberto. Conhecemos a resposta do tempo: dos ambulantes com garrafões térmicos na Praia de Boa Viagem aos restaurantes requintados da orla, não há restaurante em que não se tenha em oferta uma caldeirada.

Às vezes chamada da sinfonia marítima, trata-se de uma equação sob leite denso de coco de pescados vários: camarão, filé de arraia, de siri, aratu, polvo, lagosta, tomate. Os temperos demarcantes são apenas sal, cebola, coentro e cebolinha. Dos moluscos de concha, entram o sururu e o marisco.

Apesar de inovar na liturgia do servir ao misturar todos os pescados, a caldeirada confirma uma tradição bem nordestina quando falamos de pescados e, sobretudo, de moluscos com concha em Pernambuco. Além de retirados de suas conchas antes do preparo culinário, os moluscos aqui são cozidos no sumo leitoso do fruto do coqueiro.

Em Pernambuco, o marisco, seja ele qual for, é um termo que se conjuga com leite de coco. "Além de marisco novo, tem que se usar também leite de coco fresquinho", diz dona Irene.

A palmeira elegante e longilínea conhecida como coqueiro fincou raízes no litoral nordestino desde fins do século 16. Substituindo o cajueiro nativo na paisagem original praieira da porção nordestina do litoral brasileiro, gerou um complexo culinário em torno de si. Originalmente asiático, o coqueiro viajou por força de mãos portuguesas até Cabo Verde, na África, e de lá veio para o Nordeste.

Em História da alimentação no Brasil, Luís da Câmara Cascudo assegura que os séculos 17 e 18 assistiram à consagração do coqueiro no País. Segundo o folclorista, a técnica de extração do leite do coco teria sido uma revelação culinária dos africanos orientais. Depois de ralada, a polpa do coco deve ser molhada com água quente e espremida em pano limpo até liberar o suco. Também pode-se recorrer ao liquidificador.

CAPOTE - Consumido aberto e, preferencialmente, sob leite de coco em todo o Nordeste, o marisco alongado e encontrado nos mangues, que conhecemos como sururu, encontra um serviço próprio em Alagoas. À maneira mediterrânea, é servido em suas conchas.

"A gente compra ele fechado, arranca umas tripinhas. Antes, eu botava os temperos e ele abria no fogo. Hoje, faço diferente. Boto ele sem nada na panela e ele abre com a água dele mesmo. Tiro essa aguinha e boto os temperos, coloco tomate, pimentão, cebola, coentro, um pouquinho de extrato de tomate, e o leite de coco. Cozinho e acrescento os sururus. Fica uma delícia", diz a culinarista alagoana Ieda Rocha, uma senhora que, ao lado de suas irmãs, tem feito do sobrenome de sua família sinônimo da mais tradicional cozinha alagoana. "Não há prato mais simbólico de Alagoas do que sururu de capote", assevera ela, sobre este singelo e emblemático bivalve.

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