Se vai servir a ave-símbolo do Natal amanhã, prepare-se. Guarde tempo. A menos que se renda ao sabor um tanto inócuo do assado controlado pelo tal termômetro industrial anunciado pela embalagem plástica, vai ter trabalho. "Peru é uma ave muito saborosa, mas são precisos vários cuidados para levantar seu sabor", diz o chef Hugo Prouvot. Experimente, pois, assar um peru sem marinada prévia. A ave pode secar e, mais do que isso, não desenvolver seu potencial de sabor.
"O peru é uma ave que cresce naturalmente muito rápido. Tem gosto de galo e precisa assar em quatro horas ou mais, e em dois tipos diferentes de calor", diz ele, um dos responsáveis pelo desenvolvimento de uma alta gastronomia contemporânea no Recife e que, este ano, está preparando ceias para o Natal. Até sábado (24) ele entrega encomendas no Bistrot du Vin, um dos restaurantes da cidade cujo cardápio tem sua assinatura.
O que ele chama de assar o peru em dois tipos de calor é a velha técnica do papel-alumínio. "Com o alumínio, o calor vem melhor de fora para dentro, e ele assa mais uniformemente. Na metade do cozimento, se deve tirar o papel, para caramelizar a parte externa da ave", diz Prouvot, um dos melhores jovens talentos gastronômicos do País, ex-braço direito de Laurent Suaudeau, o homem que, por sua vez, contemporanizou a gastronomia brasileira.
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Até nossas tias sabem o quanto um recheio enriquece o peru. Mas ele não tem apenas como função deixar mais opulento um prato celebrativo e coletivista. Levado da América pelos espanhóis à Europa, o peru, segundo a Oxford Enciclopedy of Food, substituiu o cisne, igualmente vistoso, nas ceias celebrativas de final de ano.
Como todas as aves grandes, foi incluído no rol das que devem ser assadas recheadas. O recheio, além de agregar sabor, ajuda a dissipar de maneira mais uniforme o calor. O livro oficial de técnicas culinárias de escola francesa Le Cordon Bleu sugere, por exemplo, que aves grandes sejam assadas costuradas. As patas devem ser amarradas por cima do peito. A cavidade abdominal, costurada por baixo com linha grossa. Mesmo quando sem recheio. Assim, o calor também se distribui mais uniformemente.
Na hora de assar, ele diz preferir um bom espelho de óleo vegetal a uma base de caldo. "O óleo agrega aroma e sabor. Uma cama de cenoura em lâmina evita que a ave grude", diz.
Naturalmente, a farofa é o recheio que nós, brasileiros, mais lembramos na hora de montar a ave. Mas não precisa ser o único. Pão velho é uma ótima base. E, mais insuspeitadamente, batata-doce. O tubérculo tão comum no gosto nordestino é uma alternativa a outro ingrediente, bem mais caro, importado e, por isso, raro: a castanha portuguesa. "Se cozinhar as batatas direito, sem hidratar muito, elas concentram o açúcar e lembram muito o sabor da castanha portuguesa", diz Hugo. As batatas devem ser cozidas com casca. Para dar um sabor terroso, Hugo acrescenta castanhas de caju e cogumelos. Na cobertura, molho agridoce com Porto, rapadura e frutas do bosque.
Alho, vinho branco, pimenta e um pouco de água são suficientes para uma marinada. Que, aliás, não pode ser curta. "Além de ficar de um dia para o outro, tem que dar uns bons furos no peru. Ao contrário da galinha, ele não perde sucos." Peru não é simples como amigo secreto.