Natureza

Com câmera e afeto, cientista social registra pássaros nativos de Aldeia

Depois de virar ornitólogo autodidata, Roberto Harrop passou a registrar passarinhos; 75 espécies já foram fotografadas

Luiza Freitas
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Luiza Freitas
Publicado em 20/07/2014 às 7:13
Roberto Harrop
FOTO: Roberto Harrop
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Mais vale uma infinidade de pássaros sob a lente de Roberto Harrop do que um que seja dentro da gaiola. Ambientalismo à parte, é a essa conclusão que chega até o mais terrível pequeno caçador e seu estilingue ao ver as fotos do senhor de 71 anos. São aves miudinhas e coloridas, flagradas em diferentes poses que, de tão incríveis, nos fazem pensar que pertencem a um lugar distante. Mas são todas nossas, da Mata Atlântica. E mais ainda dele. É empoleirado no terraço de sua casa em Aldeia, bairro de Camaragibe, Região Metropolitana do Recife, que o cientista social há sete anos pacientemente clica os delicados vizinhos alados.

Roberto já registrou 75 espécies diferentes, não por ofício, por hobby. Mas poderia ser o contrário, considerando que ele começou a estudar aves há 20 anos, quando comprou a casa onde passa sábados e domingos. Durante o resto da semana, ele é responsável pelo tradicional Instituto Harrop de pesquisa de mercado e opinião, fundado há 35 anos. Com a mesma segurança que afirma não querer se aposentar tão cedo, diz que são os passarinhos, na verdade, que o completam. “A vida vai levando a gente. Mas passo a semana contando os dias para chegar o fim de semana”.

E foi num fim de semana em 2007 – depois de consultar todo tipo de literatura sobre pássaros nativos – que Roberto comprou sua primeira câmera. “Um amigo chegou em casa com uma dessas lentes possantes e eu pensei: ‘Por que não fotografar meus pássaros?’”. E fotografa desde então, fazendo questão de dizer que seu conhecimento é muito mais aprofundado na ornitologia que na fotografia. “Eu não tenho esse lado profissional. O que ganho são muitas amizades, conhecimento e satisfação”, garante. Mesmo assim, ele deixa escapar que já deu autorização para o uso das suas imagens postadas em sua conta do flickr para diversos países, mas depois desconversa. “Recebo os emails solicitando e autorizo, mas não procuro saber depois se saiu ou não”.

E foi do prazer de estudar os pássaros que nasceu o interesse por uma nova língua. “Muitas aves têm o nome popular no tupi, comecei a estudar para descobrir essas origens. A gente anda atropelando as palavras sem saber de onde elas vêm. Em alguns casos, o tupi acaba entrando até no nome científico”, diz com empolgação. Ele deixa bem claro, no entanto, que o tupi ele não fala, “é uma língua morta, né? Não se fala”. A comunicação que Harrop domina mesmo é a visual, entre suas lentes e os passarinhos.

Roberto Harrop
Aves de Aldeia fotografadas polo Cientista Social Roberto Harrop - Roberto Harrop
Roberto Harrop
Gaturamo-verdadeiro ou Guriatã (Euphonia violacea) - Roberto Harrop
Roberto Harrop
Saira-amarela ou Frei-vicente (Tangara cayana) - Roberto Harrop
Roberto Harrop
Pintor-verdadeiro ou Saíra-pintor (Tangara fastuosa) - Roberto Harrop
Roberto Harrop
Sabiá-laranjeira ou Sabiá-de-barriga-vermelha (Turdus rufiventris) - Roberto Harrop
Roberto Harrop
Fruteiro-de-coroa ou Saíra-de-chapéu-preto (Nemosia pileata) - Roberto Harrop
Roberto Harrop
Ariramba-de-cauda-ruiva (Galbula ruficauda) - Roberto Harrop
Roberto Harrop
Roberto Harrop - Roberto Harrop
Roberto Harrop
Roberto Harrop - Roberto Harrop
Roberto Harrop
Roberto Harrop - Roberto Harrop

 

A beleza dos pássaros é incontestável, mas os flagrantes de suas atividades, registrados por Harrop, são o diferencial de suas imagens. Entre eles estão a saíra-azul-turquesa encarando uma abelha que voa ao redor de sua comida; o beija-flor-tesoura estirando a língua; o gavião-pinhé tirando carrapato de um boi e a briga feia entre o beija-flor e a saíra-amarela. Com a câmera em mãos, também sobram cliques para outros animais. É o caso de saguis, preás, cutias, lagartas, mariposas e a preguiça que, sempre após a chuva, usa galhos como rede e se deita de barriga para cima para secar ao sol.

Mas um registro em especial marcou Roberto. Quando ainda era recém chegado em Aldeia, contava com a presença constante do pintor-verdadeiro, pássaro que considera o mais bonito da região. Muito caçada, a espécie sumiu antes que ele começasse a fotografar. Até que um dia, há poucos meses, teve uma surpresa. “Apareceu um e ficou duas semanas, depois sumiu. É uma raridade, só existe em Pernambuco e Alagoas e consegui registrar. Ele ficou se olhando no reflexo do vidro do carro, é um narcisista!”, brinca.

Para evitar que mais espécies sumam, Harrop também assume o papel de ambientalista na vizinhança. “Já delatei casos de espécies que estão sob proteção federal que viviam presas. E uma vez um vizinho apareceu com um sabiá-do-sertão. Falei tanto que ele acabou soltando”, lembra. Mas não foi sempre assim. Na infância, Roberto era uma exímio caçador de passarinhos.

“Fui um menino criado em ambiente rural. Nasci no Recife e muito pequeno fui interno em um colégio de padres em Nazaré da Mata. Com uns 11 anos fui para Paulo Afonso, morar dois anos com meu pai, depois voltei para o Recife com a minha avó. Gostava de criar passarinho, passarinhar (caçar com estilingue) e identificar os cantos, sou um tipo introspectivo”, conta. “Hoje, para me penitenciar, consegui uma nova forma de admiração”. Ah, se todo castigo fosse assim tão bonito... Roberto não sabe quantas fotos já fez, mas certamente elas já devem ter redimido seus pecados de terrível pequeno caçador. 

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