Diversão

O mundo mágico das contadoras de histórias

Narrativas orais para adultos e crianças ganham mais adeptos

Franco Benites
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Franco Benites
Publicado em 07/09/2014 às 11:09
Cecília Sátiro/Divulgação
Narrativas orais para adultos e crianças ganham mais adeptos - FOTO: Cecília Sátiro/Divulgação
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A jornalista Camila Sátiro e a publicitária Carol Levy não se conhecem, mas têm muito em comum. As duas nutrem a mesma paixão pela contação de histórias e pelo universo infantil. Cada qual a sua maneira, elas investem em uma profissão que tem cada vez mais adeptos no Recife e aliam trabalho e diversão ao mergulhar no mundo das narrativas orais para crianças e adultos. Camila é responsável pelo projeto O Baú da Camilinha (www.facebook.com/obaudacamiinha). Já as iniciativas de contação de Carol estão reunidas no site www.carollevy.com.br. Confira, a seguir, uma entrevista com as duas contadoras.

Jornal do Commercio: Quando começou seu interesse pela contação de histórias?
  
Camila Sátiro: Acho que desde sempre. Quando criança eu sempre gostei de ouvir histórias e já mais velha, na adolescência, adorava contá-las. Não histórias infantis, mas contar casos da minha vida, histórias que ouvia na rua e, principalmente, minhas histórias de viagem. Tanto que tenho dois blogs, né?! (O Passeando e o Desmantelos) Eles surgiram exatamente da vontade de contar minhas histórias para um monte de gente. Deve ter sido por isso também que escolhi o jornalismo como profissão - afinal, somos todos contadores de história. Por conta disso eu sempre achei que tinha jeito para contar histórias também para crianças. A ideia de fazer cursos na área surgiu muito por conta do Hora da Alegria (exibido de segunda a sexta na TV Jornal), já que eu achava que eles me ajudariam na minha profissão frente às câmeras, já que o curso trabalha a desenvoltura de voz, corpo. Fiz primeiro um curso à distância, pelo Portal Educação, depois entrei no curso do Tapete Voador e fiz também uma oficina de música e narrativa com Cristiano Gouveia, da TV Cultura. Esses cursos me deixaram ainda mais apaixonada pelo universo infantil. Então na formatura do curso, quando nos apresentamos para as crianças, eu senti uma energia diferente ali e vi que queria entrar para esse mundo mágico da contação de histórias para as crianças.

Jornal do Commercio: Você curtia contação de histórias quando era criança?

Camila Sátiro:
Demais! Meu pai e meu avô são contadores de história natos. Meu avô tem histórias incríveis. Eu adorava ouvi-las. E na infância ouvir histórias que meu pai contava na hora de dormir era de lei, senão a noite ficava sem graça. Eu viajava nos personagens, adorava as vozes que ele fazia. Minha mãe também tem influência nisso já que é professora de teatro. Então eu sempre convivi com histórias e textos teatrais em casa.

Jornal do Commercio: Em que os cursos de contação de história te ajudaram? Deram algum novo conceito sobre o universo infantil?

Camila Sátiro: Me ajudaram e muito. Apesar de estar todos os dias estar envolvida com o universo infantil por conta do programa Hora da Alegria (exibido de segunda a sexta na TV Jornal), os cursos me colocaram em contato com um lado mágico da coisa. Voltei a ser criança, pois para muitas questões colocadas eu buscava na minha infância as minhas referências de som, imagem. Várias lembranças boas vieram à tona e eu pude me conhecer mais enquanto pessoa e contadora. Sem contar que estar em contato com as histórias e produzindo te faz mais criativo. Até escrevi algumas historinhas nesse tempo. Sem falar no conhecimento sobre o assunto mesmo, as técnicas de corpo e voz, os diferentes tipos de histórias, as narrativas mais adequadas a cada faixa etária... e mais um montão de coisa.

Jornal do Commercio:  Quando foi sua primeira sessão de contação de histórias?


Camila Sátiro: A minha primeira mesmo foi na formatura do curso, onde apresentamos uma história num evento organizado pelo Tapete Voador. Estava muito nervosa. Fazia tempo que não sentia aquele frio na barriga. Fiquei mais nervosa do que quando fiz meu vivo pela primeira vez na TV. Já profissionalmente foi na Livraria da Praça. Nesse dia também estava com um frio na barriga gigante, Na hora que começou a contação eu relaxei, embarquei nas histórias e deu tudo certo.

Jornal do Commercio: Quais os maiores ganhos que a contação de história te deu?

Camila Sátiro: São tantos. Apesar de ainda estar começando nesse universo eu acho que a recompensa é enorme. Ter a resposta da criança ali na hora não tem preço. Fizemos o último sábado de julho e todos os sábados de agosto na Livraria da Praça e teve criança que foi para todas as apresentações. Os pais disseram que ela já acordou dizendo que era dia de ouvir as histórias do Baú da Camilinha. Isso é bom demais. Faz você saber que está no caminho certo. Poder levar conhecimento, sonho, alegria e tantas outras coisas para as crianças através das histórias é o maior ganho dessa atividade. Fora as questões profissionais, claro, que estão envolvidas, como estar preparado para o inesperado, enfrentar o público cara a cara...

Jornal do Commercio: As reações das crianças durante a contação te surpreendem?


Camila Sátiro: Sempre. Crianças são imprevisíveis e muito espontâneas. Fazem o que dá na telha. Uma vez teve um menino que estava super inquieto. Quando eu achei que ele ia sentar para ouvir a história ele veio pra cima de mim e sentou no meu colo. Outro dia teve uma menina que me interrompeu no meio da história e disse: " Eu vou ali dar um beijo no meu pai, viu?!". Ela foi e voltou um tempinho depois.

Jornal do Commercio: Quais os critérios que você usa para escolher as histórias? Crianças de todas as idades podem participar?

Camila Sátiro: A história precisa me tocar de alguma forma. Eu conto a história que me faz viajar logo que começo a ler. Normalmente são as mais animadas e engraçadas. Histórias nas quais eu consigo brincar e divertir. Quando começo a ler uma história e já tou com vontade de acabar, já sei que aquela ali não é pra mim. Você tem que se identificar com o personagem e embarcar na história, senão não dá pra contar direito, vai soar falso. A gente procura histórias que sejam para todas as idades, porque em apresentações abertas você nunca sabe exatamente qual a faixa etária das crianças. Quando é aniversário a gente pergunta sempre qual a média de idade pra pensar em histórias que agradem mais. Mas sim, crianças dos 0 aos 110 anos podem participar.

Jornal do Commercio: É possível viver apenas da contação de histórias? Há festivais de contação de histórias em bom número no Recife?

Carol Levy: Sim. Sobre os festivais,  acho que poderíamos ter um maior número de eventos, mas também um contador de histórias que pretenda viver somente deste ofício não pode depositar todas as suas expectativas nos festivais, uma vez que eles são apenas uma forma de expor o trabalho. Existem várias outras: livrarias, bibliotecas, aniversários, eventos corporativos, bienais, lojas de brinquedo, etc. Além desses exemplos citados, o contador também pode criar um projeto do zero e correr atrás de patrocínio, por exemplo. O caminho que eu percorri como cantora e contadora de histórias serve de exemplo: o Funcultura apoiou quatro projetos meus: um programa semanal de rádio de contação de histórias que durou um ano e foi veiculado em duas rádios do interior de Pernambuco, chamado Meu Rádio Meu Livro. Agora, estou disponibilizando as histórias na internet; Um projeto itinerante, chamado Cantarolando Histórias Por Aí, com Carol Levy, onde eu irei circular pelas escolas públicas do interior de Pernambuco contando a história do Boi Voador, cantarei músicas do meu disco e contarei outras histórias, totalizando uma apresentação de uma hora de duração. Esse iniciará no dia 15 de Setembro; Um disco infantil chamado Carol Levy CANTABICHO que está lindo e quase saindo do forno; Um programa de TV com 10 minutos de duração onde eu vou circular pelos pontos turísticos do Recife contando histórias. Além desses, ainda tenho outros projetos bem interessantes em andamento que ainda não posso divulgar. Como qualquer outro trabalho artístico, temos que suar a camisa, colocar a cabeça pra funcionar e correr atrás de formas que possibilitem a execução de nossas ideias. Não é fácil, mas possível.

Jornal do Commercio: Quando começou seu interesse pela contação de histórias?


Carol Levy: ?Em 2010, depois de muito insistir em profissões mais tradicionais (sou publicitária, fiz um pedaço de MBA em Marketing, já trabalhei em agência, já fui empresária de moda), resolvi mergulhar no mundo artístico de uma vez por todas?: canto desde criança, fiz coral na escola por mais de seis anos, estudei canto lírico no Conservatório Pernambucano de Música, tive três professoras particulares de canto popular e mais um monte de coisas do tipo. Já fazia locuções e atuações com voz em produtoras de áudio há 8 anos e sentia uma forte necessidade de tentar reunir todas essas coisas que havia aprendido durante a vida, mas não sabia como. Comecei a fazer curso de desenho artístico, teatro e computação gráfica para ver no que ia dar. Um belo dia, sem mais nem menos, tive um estalo (que eu costumo dizer que foi o sopro de um anjo): contação de histórias! Posso explorar a minha voz através dela

Jornal do Commercio: Quando foi sua primeira sessão de contação de histórias?

Carol Levy: Fiz um comunicado e coloquei nos elevadores do prédio em que eu morava: contação de histórias, dia tal, hora tal. Juntou um monte de criança pra escutar e foi ali que tudo começou.

Jornal do Commercio: Como é a sua preparação para as sessões de contação de história?


Carol Levy: A pesquisa pela história é o processo mais demorado de todos. Sou muito chata na escolha das histórias. Demoro pra caramba pra bater o martelo, penso e repenso, leio e releio. Durante esse processo de leitura eu já projeto aquele texto para oralidade, para ver se realmente funciona do jeito que é ou se eu precisarei mexer muito, o que não gosto. Prefiro manter o texto o mais fiel possível ao que o autor criou. Durante essas primeiras leituras eu já começo a sentir necessidade de definir os elementos de cena que irão me acompanhar na narrativa. Após isso, apresento o livro ao meu marido e diretor musical, Carlinhos Borges. Explico o que estou imaginando fazer com aquele texto, que intenção quero dar pra cada parte da narrativa. Nessa hora a gente troca um bocado: como somos casados e trabalhamos juntos há muito tempo, temos uma sintonia muito boa, então a gente consegue criar possibilidades muito rapidamente. Após esse papo criativo, Carlinhos desenha toda a trilha sonora da narrativa e me apresenta. Eu ouço, sinto se está dentro da intenção que quero passar com aquele texto e partimos para os ensaios. Às vezes crio uma música de encerramento ou no meio da narrativa, tudo depende do que a história pede. É um processo muito particular de cada texto, sabe.?


Jornal do Commercio: As reações das crianças durante a contação te surprrendem? Alguma história engraçada para contar sobre isso?

Carol Levy: Engraçado pois agora há pouco, quando estava voltando da sessão de fotos que falei que ia fazer, conversava com uma amiga sobre o último show do dia 24/08: esqueci de dizer para o técnico de luz que mantivesse a plateia com o mínimo de luz possível para que eu os enxergasse. Resultado: como de costume em shows de música, ele deixou a luz da plateia apagada, só acendendo algumas vezes. Eu fiquei num esforço sobre humano para conseguir enxergar as pessoas, o que me deixou muito inquieta. Eu preciso olhar nos olhos das pessoas, eles me alimentam. Adoro ver a reação deles durante a narrativa. Uma vez, quando estava contando O Nabo Gigante, história que relata as inúmeras tentativas dos personagens retirarem o nabo da terra, aconteceu um episódio engraçadíssimo: quando eu puxo o nabo, sempre repito em seis tentativas e o nabo nunca sai do lugar. Uma criança gritou da plateia: "-poxa, porque ela não tenta puxar até dez, hein? Tenho certeza que ela conseguiria. Todo mundo caiu na risada. Poderia contar muitos outros exemplos, essas "interrupções" são um prato cheio para um contador trocar com as crianças.

Jornal do Commercio: Contação de histórias é também para adultos? Por quê?

Carol Levy: Claro que sim! Falo muito nas crianças pois o meu trabalho é realmente pensado e voltado para eles. Depois que descobri essa facilidade e identificação, sinto um prazer e uma vontade de me manter nessa atmosfera lúdica deliciosa. Mas veja, ?se eu adoro esse universo, porque outros adultos não adorariam? Recebo inúmeras mensagens de carinho de pais e mães dizendo o quanto curtem o trabalho. Muitos dizem que gostam mais do que os filhos. Durante as apresentações, é muito gostoso perceber que todo mundo está se divertindo com a gente, que aquele momento não vira uma obrigação e sim, uma diversão para todos.

 

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