Natal

Profissão Papai Noel

Emprego temporário garante muita emoção a quem assume a vaga

Mariana Mesquita
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Mariana Mesquita
Publicado em 14/12/2014 às 0:27
Foto: Guga Matos / JC Imagem
FOTO: Foto: Guga Matos / JC Imagem
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Em tempo de cirurgia bariátrica e truques de maquiagem, nem todo candidato a Papai Noel precisa ser velho, gordo e bonachão. Mas, paciência, bom humor e preparo físico e emocional são requisitos obrigatórios para quem deseja assumir esse papel. Grande parte dos profissionais na ativa têm formação em artes cênicas, o que ajuda a “dar vida” ao personagem e facilita sua interação com as crianças, público-alvo. Mundo afora, a partir de novembro, eles incrementam as vendas, seja em estabelecimentos comerciais menores, seja nos grandes centros de compras. Renovam a magia do Natal, a fantasia das crianças e o consumo desenfreado de brinquedos e afins. Símbolos do capitalismo e da inocência infantil, eles exercem uma profissão temporária que pode ser lucrativa, mas não é para qualquer um.

Há onze anos atuando como Papai Noel no Shopping Plaza, em Casa Forte, Eli Dias não quis contar à reportagem do JC quanto recebe por isso – opção, aliás, partilhada por todas as agências e profissionais recifenses entrevistados. Imagina-se que o valor chegue a R$ 3 mil, conforme um anúncio publicado na imprensa no início do mês de outubro, dando preferência “a quem possuir biotipo similar ao do bom velhinho” e aplicando um “teste performático com as roupas de Papai Noel”. A quantia está longe dos R$ 30 mil que profissionais do gênero chegam a receber, no Sudeste brasileiro. Mas, para Eli, “independentemente do salário, ser Papai Noel nos permite vivenciar experiências superiores ao dinheiro que se recebe”. 

Em alguns shoppings, como o RioMar, a equipe é maior e há três profissionais se revezando no papel. Um deles é o ator Cristiano Cândido, de apenas 24 anos. Diego Fernando Porfírio, de 26 anos, além de ator é maquiador, e também atua junto com mais dois papais noéis no Tacaruna. Já Eli, que do alto de seus 45 anos foi o “mais velho” dos profissionais ouvidos pela reportagem, é o único Papai Noel em atuação no Plaza. 

A rotina é puxada: deve-se evitar circular sem necessidade pelos corredores e até mesmo ir ao banheiro, especialmente nos dias de grande movimento. “É preciso preservar a fantasia, e ficaria estranho a criança ver Papai Noel fazendo xixi ou comendo na praça de alimentação”, ri Cristiano. 

CONSTRANGIMENTO

“Depositários” da fé no Natal, os papais noéis são seres humanos e, além do cansaço, acumulam histórias tocantes. Alguns, porém, encarnam a antítese do espírito natalino: foi o que aconteceu no fim do mês passado, num shopping em Curitiba (PR). Para obrigar a família de uma menina de três anos a comprar as imagens produzidas por um fotógrafo especializado, o Papai Noel cobriu o rosto dela, na hora em que sua mãe registrava o momento com o telefone celular. A família da criança, revoltada, expôs o caso nas redes sociais, alegando constrangimento e frustração por parte da pequena. O relato ganhou a imprensa e o Papai Noel foi demitido. Em nota, o shopping onde o fato ocorreu pediu desculpas, creditou o erro ao próprio Papai Noel e afirmou que, apesar da existência de serviço fotográfico no valor de R$ 15, ele “não seria obrigatório”. 

Dentro da lógica de agradar aos clientes, aparentemente o comércio recifense está melhor aparelhado no quesito gentileza: no Plaza, as crianças recebem doces, após conversar com o Papai Noel. E no RioMar, que montou uma megaestrutura para atrair os pernambucanos, incluindo “a maior árvore de natal indoor da América Latina” e a Casa Encantada, com diversas atrações gratuitas, o brinde final é justamente uma foto, eternizando a alegria do momento.

 

Foto: Guga Matos / JC Imagem
Cristiano Cândido é Papai Noel no Shopping Riomar e acumula experiência, apesar da pouca idade. - Foto: Guga Matos / JC Imagem
Foto: Bobby Fabisak / JC Imagem
Eli Dias se emociona ao lembrar do pedido feito por uma menina que tinha acabado de perder o pai. - Foto: Bobby Fabisak / JC Imagem
Foto: Rodrigo Carvalho / JC Imagem
Diego Fernando Porfírio diz que o personagem é uma porta de contato com a fantasia - Foto: Rodrigo Carvalho / JC Imagem

 

CONCENTRAR É FUNDAMENTAL

Embora tenha apenas 24 anos, o ator Cristiano Cândido já é veterano como Papai Noel. É a quarta vez que exerce a atividade, e sua postura reflete todo um cuidado no sentido de preservar a fantasia das crianças que o procuram: pediu à reportagem para falar baixo seu nome real e interrompeu a entrevista ao ver aumentar a fila, repleta de olhares ansiosos.

Ele integra um grupo de atores que trouxe diversos personagens natalinos para o hall principal do RioMar, atraindo gente como os gêmeos Richard e Richarlison, de cinco anos, que vieram do Cabo de Santo Agostinho com o pai, o encarregado de manutenção Marcelo Farias, especialmente para “conhecer Papai Noel”.  Suave, Cristiano conversa alguns minutos com os pequenos, cujos olhinhos brilham. Na fila, uma funcionária terceirizada da limpeza, que não quis se identificar, aguarda impaciente sua vez. A mágica do Natal torna a infância perene... 

Para o ator, não há tanta diferença na construção do personagem, quando se compara a outras produções cênicas. “Geralmente, todo mundo já sabe o que esperar, como o Papai Noel deve ser, a forma que deve se comportar. A grande diferença é a responsabilidade dessa interpretação”, avalia. 

“As pessoas depositam fé de verdade na gente. É como se o Papai Noel fosse um intermediário real, um mensageiro do Natal. É interessante, porque isso não acontece apenas com as crianças, inclui os adultos também. E isso engrandece a missão do nosso personagem. Não podemos errar”, complementa.

Cristiano elogia a tendência de profissionalização no segmento, que privilegia atores de verdade. “Quando uma empresa contrata um ator, e não um simples promotor, está criando condições para que o evento tenha mais vida, mais encanto. É possível jogar com a realidade, brincar, interagir, envolver efetivamente o público”, detalha.

Para dar vida à Casa Encantada e deixar a decoração menos contemplativa, o Riomar contratou 25 atores profissionais, que interpretam personagens como duendes, elfos, bailarinas e soldadinhos de chumbo. As experiências incluem até mesmo estímulos sensoriais, permitindo sentir cheiros “natalinos”, como o de panetone.“Além de dinamizar o mercado artístico, para nós este tipo de evento é uma vivência muito gratificante”, finaliza Cristiano. 

As pessoas depositam fé na gente. É como se o Papai Noel fosse um um mensageiro do Natal

POUCA IDADE É RESOLVIDA COM MUITA MAQUIAGEM

Meio escondido por trás da escada rolante, no térreo da parte nova do Tacaruna, o ator e maquiador Diego Fernando Porfírio encarna Papai Noel – aparentemente, com menos prestígio que em anos anteriores. 

Desta vez, na área principal, tem cachorro falante gigante, pedidos de presente via whatsapp e apresentações de coral, entre outros destaques. Mas a equipe de reportagem teve um certo trabalho para localizar onde ficam sentados o Papai Noel e suas ajudantes, as “noeletes”. 

É o terceiro Natal consecutivo em que Diego, de 26 anos, trabalha no Tacaruna, e ele aprova a experiência. “A gente consegue, de alguma maneira, participar das vidas das pessoas, de qualquer que seja a idade. Este ano, na minha avaliação, têm aparecido até mais adultos que crianças”, destaca.

Ele relata que em certas horas, “vira psicólogo”. “As pessoas pensam que é um trabalho simples, mas é preciso muito tato. Ouço desabafos incríveis sobre as vidas das pessoas. Tem que se ter um preparo mínimo para conseguir lidar com certas situações. Houve um dia em que eu conversei, por um longo tempo, com uma pessoa que estava pensando em se suicidar”, exemplifica.

Diego está fixo no período da tarde e, revezando-se no papel com outros dois profissionais, consegue com a atividade como Papai Noel mais do que apenas remuneração: ela permite colocar em prática tanto conhecimentos de artes cênicas como de transformação por meio da maquiagem. Ninguém percebe que ainda está na casa dos vinte.

Outro benefício, que parece ser uma opinião geral entre os que exercem a profissão de Papai Noel, é o crescimento pessoal. “Isto aqui é uma porta de contato com a fantasia, com a magia do Natal, com o interior das pessoas. É algo que sempre me traz lições de vida e me engrandece, me faz um ser humano melhor”, sorri Diego.

A menininha falou: vim pedir que Papai do Céu me deixe ver meu pai mais uma vez



TRABALHO QUE EMOCIONA

Bochechudo e de olhar risonho, Eli Dias vai logo adiantando que “gosta de manter a originalidade” e mantém seu peso adequado ao que tradicionalmente se poderia esperar de um Papai Noel. Sentado no trono especialmente preparado para si, no quarto andar do shopping Plaza, ele escuta crianças e adultos durante cinco horas diárias, com 60 minutos de intervalo no início da noite.

“Minha maior gratificação é o sorriso das crianças”, afirma o ator de teatro de 45 anos, que não quis aparecer descaraterizado nas fotos “para não ser reconhecido e quebrar a fantasia”. 

Pacientemente, ele escuta os pedidos dos pequenos e os recados velados de pais e mães. “Às vezes, por causa de uma palavra ou conselho meu, os meninos mudam conceitos, maus hábitos. Várias mães vêm me contar, depois”, afirma.

Ao longo dos onze anos em que exerce este papel, Eli coleciona memórias – mas nenhuma se compara ao dia em que uma menininha de seus seis, sete anos correu para seu colo, aos prantos. “Por que choras tanto?, eu perguntei. E ela falou, é porque ontem Papai do Céu chamou meu pai, e eu não tive tempo de me despedir”.

Eli conta que quase desabou na hora, mas prosseguiu a conversa. “E você veio me pedir o quê?, eu disse a ela. E a menininha falou, vim pedir que Papai do Céu me deixe ver meu pai mais uma vez, por cinco minutos, para eu dizer a ele que eu o amo”. 

“Até hoje eu choro quando lembro daquilo, mas ainda tive forças para dizer que à noite, antes de dormir, ela fizesse o pedido diretamente a Papai do Céu, porque as crianças têm acesso direto a Ele”, relembra Eli.  

Cerca de dez dias depois, o ator se surpreendeu com o abraço esfuziante de uma menina desconhecida, que se identificou na sequência.  “Ela me contou, toda feliz, que tinha conseguido. Que naquela mesma noite em que havia conversado comigo, Papai do Céu levou o pai até ela, em sonho, e que passaram a noite juntos, brincando num lugar muito bonito, e que ela pôde beijá-lo e conversar com ele, como queria”. 

A lágrima escorre no canto do olho e o Papai Noel finaliza: “Esse episódio supera qualquer outro que eu já tenha vivenciado, e é por isso que valorizo tanto a experiência humana que venho conquistando, por meio desse trabalho”. 

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