turismo ode aventura

Pati desafia o corpo e a mente

Para desbravar o belo cenário verde do vale encravado na Chapada Diamantina, é preciso vencer a pé ou em lombo de burro as várias trilhas mata adentro

Bruna Cabral
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Bruna Cabral
Publicado em 30/12/2013 às 10:50
Bruna Cabral/Especial para o JC
Para desbravar o belo cenário verde do vale encravado na Chapada Diamantina, é preciso vencer a pé ou em lombo de burro as várias trilhas mata adentro - FOTO: Bruna Cabral/Especial para o JC
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Escondido entre os municípios de Andaraí e Mucugê, o Vale do Pati, é bom que se diga, não é de se entregar fácil. Desbravá-lo é tarefa árdua. Que só se vence passo a passo, suando a camisa e fatigando os músculos. Naquelas sinuosas e estonteantes paragens, as muletas tecnológicas com a qual nos acostumamos a empreender o dia a dia não têm vez. Internet é uma abstração e celular, um peso morto.

Vive-se muito a cada dia. Intensamente. Mas não se posta nada. Nem mesmo energia elétrica há por ali. Além das canelas que Deus nos deu, o único meio de transporte são as mulas, cuja diária custa R$ 200. Melhor maneirar na mochila e seguir por conta própria.

São várias as opções de trilhas vale afora, que podem ter de dois a cinco dias de duração. É possível vencer esses roteiros acampando naquela maravilha de cenário. Mas a melhor opção de estada são as hospedarias organizadas na casa dos poucos moradores da região, que oferecem, além de conforto, comida quentinha e banho geladíssimo, uma lição de vida a quem se julga civilizado.

Hoje em dia, somente 12 famílias vivem no Vale do Pati. Não tem quem diga, mas aquela aguerrida população já foi numerosa. Chegou na casa dos milhares durante o apogeu das lavouras de café. Até prefeitura, o lugar já teve. Um ensaio civilizatório que não resistiu à crise de 1929. Sem emprego, nem perspectiva, a população quase toda migrou em busca de melhores condições de vida.

Mas Dona Maria e Seu Wilson Oliveira ficaram. Teimaram em fazer a vida no cenário verde que aprenderam a chamar de casa. Plantaram e colheram sua subsistência por anos, até que o ecoturismo tornou-se meio de vida. “Começamos instalando um ou outro que chegava na sala mesmo”, lembra Dona Maria, 64 anos. Agora, diz, toda orgulhosa, já são 40 leitos e uma clientela que ela garante ser fiel.

“Até geladeira, a gente já tem”, emenda a prendada filha do casal, Nara, que estudou e casou numa cidade vizinha, mas não pensa em abandonar os pais. Ela conta que o cobiçado eletrodoméstico chegou este ano, no lombo de nem sabe quantos homens. E que os painéis de energia solar chegaram quase um ano antes. “Agora não falta mais nada”, diz Nara, que não conseguiu se adaptar à vida barulhenta da cidade.

Bem adiante, a casa de Edileuza e Miraldo José Pereira é mais simples. Tem menos leitos e nenhuma geladeira. Mas a comida é farta e o entorno, estonteante. Dona Leu e Seu Joia, como são conhecidos, moram bem embaixo da Ladeira do Império, a derradeira e cruel subida dos trilheiros, na volta à civilização. Lá e na casa de Dona Maria, as diárias custam R$ 80 (com refeição, banho e pernoite). Um investimento que vai se confirmando mais acertado a cada quilômetro vencido.

E são muitos. A depender do roteiro escolhido, a caminhada de cada dia pode durar até oito horas. Geralmente, o ponto de partida é o povoado de Guiné, a 86 km de Lençóis, onde todo trilheiro que se preze começa e termina sua jornada. Esse primeiro trecho, para deleite dos marinheiros de primeira viagem, é empreendido de carro.

Mas o sossego acaba logo. O primeiro obstáculo que o Pati coloca no caminho de quem ousa desbravá-lo parece intransponível. A íngreme Ladeira dos Aleixos abala a certeza de que tudo vai dar certo. Mas dá. Basta persistir, parando sempre que necessário.

De lá até a casa de Seu Wilson, são 16 km de andada, caso o plano seja esticar até o Cachoeirão, um vertiginoso precipício de rochas, de onde se avistam mais de 20 quedas-d’água no inverno. Quando a fome apertar, um piquenique funciona como almoço e restabelece as forças tanto quanto a vista das chamadas Gerais do Rio Preto, trecho raro em que se anda no plano por quilômetros a fio. No fim de tarde, quando a vegetação rasteira é tingida de dourado pelo sol, o cenário alcança sua melhor performance.

O segundo dia de trilha pode e deve começar com uma paradinha na Cachoeira dos Funis. O percurso é lindo e o banho, revigorante. Depois, é seguir caminhando e cansando até a casa de seu Joia. Mas não sem antes parar na antiga prefeitura, que hoje também hospeda turistas. Quase chegando na casa de Seu Joia, o pôr do sol emoldurado por pedras e refletido na água é um espetáculo à parte.

O terceiro dia de caminhada é o mais penoso. Depois de percorrer, com esforço, os quatro tortuosos e íngremes quilômetros da Ladeira do Império, ainda é preciso vencer o trecho mais agreste de toda a caminhada, onde a vegetação farta dá lugar às pedras marcadas pelo garimpo. Resultado: até chegar a Andaraí, o calor potencializa o cansaço e vice-versa. Mas uma vez lá, a sensação de ter vencido o Pati, e não ter sido vencida por ele, é revigorante. Emocionante.

Além de revelar os mais belos cenários, o vale faz as vezes de mirante às avessas, de onde enxergamos melhor o que verdadeiramente importa para nós mesmos, quem somos e até quem queremos ser do Pati em diante.

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