South by Southwest

Para além das criptomoedas, blockchain pode ter aplicações diversas

Se tem um assunto trend no SXSW, esse tema é blockchain. O festival de economia criativa no Texas recebeu 38 eventos diferentes sobre a tecnologia

Maria Luiza Borges
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Maria Luiza Borges
Publicado em 15/03/2018 às 0:11
Foto: JURE MAKOVEC / AFP
Se tem um assunto trend no SXSW, esse tema é blockchain. O festival de economia criativa no Texas recebeu 38 eventos diferentes sobre a tecnologia - FOTO: Foto: JURE MAKOVEC / AFP
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Se tem um assunto trend no South by Southwest (SXSW), festival de economia criativa que acaba neste fim de semana em Austin, Texas, esse tema é blockchain. O festival recebeu nada menos que 38 eventos diferentes sobre blockchain e suas várias possíveis aplicações – das mais conhecidas como nas finanças (o fenômeno das criptomoedas como o bitcoin e o ethereum), até no setor médico, no mundo do direito, liberdades civis, entretenimento...

O potencial dessa tecnologia pensada para funcionar num mundo descentralizado e onde brechas de segurança não existem é revolucionário. E se a face mais visível dela, as criptomoedas, ainda assombra o mundo com suas maxivalorizações e quedas abruptas, o que vem por aí terá consequências ainda impossíveis de se prever nos governos, câmaras, entidades e também nas grandes plataformas da internet, como Google, Amazon e Facebook, ou qualquer poder centralizado que exista. Só no mercado de criptomoedas, a capitalização gira acima dos US$ 300 bilhões.

Mas afinal, o que é blockchain?

Mas afinal, o que é blockchain e que mudanças trará para o mundo da forma como o conhecemos hoje? Esse foi o tema de uma palestra de Julian Hosp, co-fundador da TenX, empresa baseada nas Filipinas que tem ajudado a popularizar as criptomoedas. Ex-campeão de kitesurf e neurocirurgião, ele agora é chamado de investidor serial. Tentou traduzir blockchain em 30 segundos (!). O conceito é de um sistema de validação das transações em cadeia, criptografado e descentralizado, onde toda a comunidade tem a cópia de tudo o que aconteceu.

No entanto, para que seu potencial seja plenamente usado, existem vários desafios técnicos a serem superados, como velocidade de processamento e atualização das validações por toda a cadeia. Segundo Hosp, no momento, há milhões de programadores debruçados sobre os códigos em todo o mundo e um sem número de computadores usados exclusivamente para validar transações. Não foi diferente de quando o conceito de internet saiu do mundo militar para o mundo acadêmico. Nem protocolo definido havia ainda.

Se Hosp fala para curiosos, a SXSW teve evento de todos os níveis sobre o tema, incluindo workshop para iniciados, encontro de desenvolvedores e mega-conferências arrasa-quarteirão com “celebridades” dessa nova era. Uma dessas mega-conferências foi feita por Joe Lubin, co-fundador da Consensys (que montou até um Lounge na SXSW) e criador da criptomoeda ethereum. Lubin fez uma concorridíssima palestra, precedida de uma fila de milhares de pessoas – a grande maioria homens – sobre o potencial da tecnologia.

Lupin disse que nós veremos no futuro mecanismos fluidos de democracia em democracia cada vez mais descentralizados. É difícil imaginar que mundo é esse, onde as transações são garantidas pelas pessoas que as fazem e não por governos, instituições, cartórios, câmaras, juízes... E onde as moedas não têm Banco Central nem Casas da Moeda para existirem.

Numa palestra não tão concorrida, mas muito esclarecedora, Neha Narula, diretora da Iniciativa para Criptomoedas do Massachusets Institute of Technology (MIT), lamentou o fato de o imenso potencial do blockchain só ter sido observado pelo movimento especulatório em cima das criptomoedas e dos tokens (criptomoedas estão para moedas no mundo real assim como os tokens estão para ações de uma empresa). “Eu já vi até um token IJesus. Estão vendendo Jesus? Já vi criptomoeda do governo da Venezuela... O que o governo da Venezuela tem de credibilidade para oferecer ao mundo?”, questionou. Mas ela diz que, apesar disso, ter chamado a atenção do mundo para essa tecnologia tem seu lado bom. “No futuro, poderemos ter um protocolo blockchain e isso será muito bom”.

É o mesmo que pensa o megainvestidor Joe Lubin. Ele descreveu como sua empresa, a Consensys, está funcionando. “É um projeto de código aberto, que reúne de 100 mil a 200 mil pessoas em todo o mundo na sua construção. As redes de recompensas que estão se formando poderão ser usadas em todo tipo de projeto, da saúde ao direito”, explica. Ele mostra o lado bom do hype: “Aumento de preço traz especulação. E especulação traz inovação. A gente gosta quando os preços sobem. Mas é muito maior que isso.”

Aplicações e implicações múltiplas

Uma olhada no complexo e perfeito aplicativo da South by Southwest nos dá a noção do tamanho da revolução que a tecnologia de blockchain está prestes a provocar. Criptomoedas, o novo futuro do dinheiro; Como a blockchain vai mudar o mundo; Transformando a cadeia mundial de fornecimento de alimentos; Oportunidades da blockchain na cadeia da mobilidade e da logística; Blockchain para refugiados, Blockchain e liberdades civis, Os efeitos da blockchain no mercado da música”... praticamente todas as áreas do conhecimento tinham algum evento com foco na discussão do alcance dessa validação descentralizada das transações.

Um painel específico discutiu o impacto na área médica – e já há empresas de software, seguros saúde e hospitais americanos investindo pesado no tema. “Imagine um sistema em que todos os seus registros de saúde foram validados e estarão disponíveis para todos os interessados. Seria a possibilidade de tratar cada pessoa com uma visão holística, entendendo sua saúde como uma cadeia de acontecimentos”, exemplificou Aaron Symanski, que participou de um painel sobre o tema. Do ponto de vista do profissional de medicina, questões como licenças médicas, possíveis erros médicos que tenham sido cometidos, cobranças ou ações beneméritas, receitas prescritas, tudo adquiriria um novo significado nesse mundo validado e revalidado por todos.
E o painel intitulado Contratos inteligentes: será que vamos nos ver livres dos advogados? atraiu quem? Centenas de advogados, claro. Num mundo desentermediado, onde não é necessária a intervenção de um poder central para que algo seja concretizado, como essa profissão pode sobreviver é tema crucial para quem quer se manter no mercado. Consequentemente, qual será o papel de um Poder Judiciário nesse mundo?

As apostas são muitas e, claro, inconclusivas. Todo o sistema depende muito de desenvolvimento de softwares, de processamento e de instâncias regulatórias, coisas que vão passar anos para serem resolvidas. E serão resolvidas em ritmos diferentes. Países pouco regulamentados devem andar mais rapidamente do que nações muito desenvolvidas e com muitas instâncias de regulação. Mas é incrível pensar, por exemplo, que no futuro, ao alugar um apartamento, os registros de pagamento de condomínio e pagamento da luz terão tanta importância quanto o fato de seu vizinho já ter chamado várias vezes a polícia para reclamar do seu som alto. Todos esses registros na mesma cadeia, validados e revalidados de forma descentralizada por todos o que dela fazem parte. Black Mirror feelings.

  • Viajou a convite da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos

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