Recife tem tudo, absolutamente tudo, para ser uma das mais belas cidades do país e do continente americano. Ainda resiste de pé um acervo arquitetônico belíssimo em diversos bairros, que aos poucos se transforma em ruína e se descaracteriza por intervenções sem qualquer critério ou fiscalização do Poder Público.
Além disso, o Poder Público é inerte e leniente com a organização do espaço urbano.
Por questões políticas e demagógicas deixa que calçadas, praças e ruas sejam tomadas irregular e ilicitamente por camelôs, fiteiros e barraquinhas. Por má gerência de recursos públicos faz obras malfeitas em logradouros públicos, ou, por falta de fiscalização ou vista grossa, deixa que empreiteiros licitantes realizem péssimos serviços de construção, conservação e reparos em ruas e avenidas.
O resultado disso são ruas e avenidas eternamente esburacadas e, no período de chuvas, esgotos transbordando e água retida nos logradouros, fazendo com que a cidade ande devagar ou até mesmo pare.
Fazia muito tempo que eu não andava no Centro do Recife - Avenidas Dantas Barreto e Guararapes e ruas 7 de Setembro, Imperatriz e adjacências - e fiquei I-M-P-R-E-S-S-I-O-N-A-D-A com a degradação da cidade.
A imagem que eu guardei desses espaços na minha memória é a de criança e de adolescente, em que o Centro era útil e funcional. Podia-se fazer de tudo: ter acesso a lojas de nível A (sim, existiam lojas multimarcas caras no centro), B, C e D; ter acesso a horas agradáveis de cultura (as saudosas Livro 7 e Síntese); cursos de línguas para crianças e adolescentes de classe média; os melhores colégios do Recife; consultórios médicos e escritórios de advocacia; bons restaurantes (do qual o último bastião de resistência é "O Leite")...
Não estou dizendo que tudo deveria ser como era antes. Mas o espaço urbano deveria passar por transformações para evitar a sua decadência, para encontrar um re-uso constante, para reciclar a sua vitalidade comercial e residencial.
Não é possível encontrar novos espaços, não é possível se expandir porque os espaços não podem ser infinita e indefinidamente ocupados. O metro quadrado das grandes cidades torna-se, com o passar do tempo, exponencialmente caro. Então, os espaços existentes devem ser reaproveitados de forma inteligente e cíclica.
O problema não é estacionamento. Afinal, todas as grandes cidades do planeta - NY, Londres, Paris, Tóquio... - enfrentam esse problema.
O Recife é um micro cosmo em comparação a grandes urbes, megalópoles. Em tese, seria mais fácil tratar os problemas.
Por que o centro do Recife deve ser o lugar reservado a moradia dos pobres e miseráveis? Por qual motivo deve funcionar como um vergonhoso, sujo e decadente gueto? Deve ser condenado e restrito ao lugar de moradia exclusivo de pessoas de baixa renda e para o comércio barato, ou coisas de baixa qualidade ou de mercadorias alternativas?
A pauperização do centro do Recife por falta de cuidado e por abandono é absurda e é tão alarmante que a impressão que eu tenho é a de que o fenômeno é irremediável, inevitável e irrecuperável.
Nós temos entranhado em nosso modus vivendi e em nossa cultura o descaso, a insensibilidade e o desprezo pela política de prevenção e de manutenção. É mais fácil deixar tudo ruir, ficar irrecuperável, para começar do zero, do que demonstrar zelo e cuidado constante, para manter o que já existe.
A impressão é a de que o centro do Recife é um paciente idoso, decrépito, sofrendo de múltipla falência dos órgão vitais, em estágio terminal, aguardando a morte, como um indigente, cujo corpo será abandonado em qualquer lugar.
Este paciente poderia ter sido uma pessoa que envelheceu de forma saudável e com qualidade de vida, mas preferiu se entregar aos excessos e aos vícios até o corpo não mais resistir, restando minados, paulatinamente, o seu corpo e a sua mente.
Não quero saber de PT, Democratas ou de qualquer outro partido... Eu só queria que os gestores políticos fossem éticos e responsáveis e tivessem o compromisso de entregar ao seu sucessor a cidade do Recife em muito melhor estado do que quando a recebeu. Esse seria o mais precioso legado de seu mandato. Esse gestor ficaria indelevelmente marcado na história, tal e qual o Conde da Boa Vista, Presidente da Província de Pernambuco no século XIX, responsável pelo mais notável desenvolvimento do espaço público do Recife de todos os tempos.
Eu só não queria ter a sensação de andar pelo centro do Recife, sentindo nojo e vergonha.